A COMPREENSÃO DA ARTE INDÍGENA COMO
ARTESANATO: NOTAS SOBRE AS NARRATIVAS DA ESTÉTICA AMERÍNDIA
O
debate sobre a arte ameríndia apesar de antigo, não inovou de forma consistente
nas últimas décadas e ainda continua com uma incômoda persistência de associar
a estética indígena ao artesanato. Seja por um viés tradicional ou pós-colonial
e mesmo que díspares, as duas posições partem (ou recaem) da compreensão de que
a arte indígena é, fundamentalmente, uma técnica de reprodução o que causa
certas interpretações errôneas e dificultam o ensino de história e a
transposição didática.
Desta
forma, a produção artística indígena seria reduzida a uma mera transmissão de
saberes ancestrais como um produto artesanal, mas bem distante da estética
ocidental, especialmente, da pintura e da escultura figurativa europeia [GOW,
1999, p. 300]. Em contraposição aos saberes ameríndios, a arte europeia, mesmo
como extensão técnica, seria um produto da tecnologia e refletiria o progresso
do capitalismo que, segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas, “assume em si
todas as esferas da cultura” [Cf. HABERMAS, 2006, p. 49]. Enquanto a cultura
artística indígena seria primitiva e rudimentar, sendo um reflexo de uma
construção social atrasada, própria de interpretações da história tradicional.
Por
outro lado, a arte indígena foi compreendida como um fragmento biológico que
produz um todo cultural em diversas compreensões historiográficas pós-68. Esta
perspectiva inclui desde relações religiosas, sociais e até políticas em um
universo simbólico harmonizado, como por exemplo, a relação entre a estética e
os mitos imemoriais dos ameríndios. O que em primeira instância exclui o
sentido transfigurador da arte, transparecendo, em um segundo momento, que cada
individuo faz parte de um corpo social (uma etnia), um sujeito cultural, sem
ressaltar a sua individualidade. Conforme expôs Claude Lévi-Strauss em sua História de lince que interpretou a
“abertura para o Outro” como uma condição humana dos ameríndios de ver e pensar
o mundo em uma “ideologia bipartite” [LÉVI-STRAUS. Apud. PERRONE-MOISÉS, 2006, p. 241].
O livro didático e a
incômoda visão tradicional sobre a arte indígena
O
discurso tradicional historiográfico, infelizmente bem recorrente no livro
didático Por dentro da História
organizado por Pedro Santiago (2016), estabelece um hiato temporal na história
indígena. Especificamente, entre a colonização do Brasil nos séculos XVI-XVII e
durante a redemocratização na década de 1980, o que permite coletar indícios de
como a arte ameríndia é reduzida ao artesanato no ensino de história. Quando se
tematiza a colonização não há qualquer referência sobre os sentidos e
significados possíveis da arte ameríndia, apenas fotografias ressaltando uma
uniformidade entre suas práticas culturais.
Findado
o tema da colonização há um silêncio da cultura indígena até o seu reaparecimento durante a abertura democrática
no Brasil. Este hiato não é exclusividade do livro didático de Pedro Santiago,
mas indica uma tendência recorrente dos autores de manuais de história em
deshistoricizar a dinâmica cultural das nações americanas e reafirmar a visão
sobre a arte enquanto artesanato, mesmo que implicitamente. Conforme Pedro
Santiago expôs em seu livro: “A nova Constituição [1988] admite, portanto, o
direito a diferença, ou seja, o direito de os índios continuarem sendo índios”
[SANTIAGO, 2016, p. 253]. Ao lado deste texto o autor apresenta a seguinte
imagem de Pelê Zuppani sobre a dança Kuarup da nação Aiwa em 2009:
Fig. 1.
[SANTIAGO, 2016, p. 253]
A
representação da dança Kuarup apresentada foi demonstrada como um exemplo da
associação entre a estética indígena e o artesanato. Ou seja, uma condição de
reprodução ao invés de criação e, principalmente, pela falta de inovação
técnica. Embora a intenção do autor fosse de valorizar a história e cultura dos
Aiwa, sua perspectiva ainda se encontra próxima do modelo historiográfico
tradicional por não dar espaço para a perspectiva indígena, sua arte ou mesmo
sua política.
O
texto conjugado a imagem objetivava valorizar e apresentar o “índio” em suas
práticas culturais. Entretanto, o autor conduz o seu o leitor a fazer conexões
nada valorativas, dentre as possíveis, a uma suposta paralisia das práticas
culturais indígenas, ou seja, que eles não alteraram o seu modo de existência
ao longo da colonização até a Nova república. Mesmo que um leitor atento
explorasse as minúcias da imagem, como a utilização de tecidos e de chinelos,
os ameríndios não teriam avançado na questão técnica permanecendo iguais aos
seus antepassados ou ainda pior que só absorveram da modernidade panos e
chinelos. A ideia de um imobilismo por si só é eucrônica, isto é, “a ambição de
correspondência e significação que fazem explicar os fatos em seu próprio
tempo” [CAPEL, 2013, p. 30].
Nas
páginas seguintes do manual didático aparece a imagem de Ulysses Guimarães ao
final da Constituinte (1988) anunciando a Carta Magna que facilmente poderia
ser associada ao imobilismo constitucionalista de 1966, 1946, 1934, 1891 e que
se remontaria até 1824 (Que em nada representou uma mudança social
significativa para os indígenas e para os afrodescentes). Pedro Santiago apenas
endossa que a nova Constituição “também reconheceu que os índios não necessitam
mais de um tutor para responder por eles na defesa de seus interesses e
direitos” [SANTIAGO, 2016, p. 253]. Mas não explica o por que ou quais são
esses interesses e direitos e na imagem os indígenas continuavam dançando como
seus ancestrais, apesar de várias mudanças existentes.
Um
exemplo importante, mesmo não sendo a etnia escolhida para figurar no livro de
Pedro Santiago, seria a etnia Wajãpi. Este grupo étnico incorpora em suas
pinturas corporais o que há de contemporâneo em seu universo existencial,
conforme a imagem a seguir:
Fig. 2
Após
o reconhecimento pela Unesco em 2007 como “Obras primas do patrimônio oral e
imaterial da humanidade”, a pintura corporal dos Wajãpi não se enquadra como
uma mera reprodução, mas uma condição que integra o universo vivente em uma
ressignificação de suas próprias práticas estéticas, como a adoção da marca
esportiva Nike. Este exemplo, ainda demonstra que o imobilismo transliterado
como um artesanato não se sustenta, não por conta da pintura, mas como um valor
que a pintura adquire no cotidiano da própria comunidade. Esta integração
contemporânea também poderia ser aplicada no caso da dança Kuarup se esta fosse
minimamente historicizada. Mas, conforme sintetizou o antropólogo Peter Gow:
“Nosso juízo a respeito de tais artes seja simplesmente equivocado, caso as
intenções dos produtores fossem muito diferentes das que lhes atribuímos, e que
assim desconhecemos seus verdadeiros sucessos e fracasso” [GOW, 1999, pp.
300-301].
A persistência do
silenciamento do indígena na visão pós-colonial da arte
As
posições tradicionais dos livros didáticos brasileiros, infelizmente, se
complementam a historiografia pós-colonial, ou culturalista, sobre a arte
ameríndia. Um exemplo é o artigo do historiador Joan-Pau Rubiés, Texts, images, and perception of ‘savages’
in early modern Europe: What we can learn from White and Harriot, publicado
na revista European Visions: American
voices, de 2009. Neste texto o historiador catalão analisa a reprodução e
os textos de Thomas Harriot e John White por meio das gravuras de Theodor de
Bry, inspiradas pelos relatos de Hans Staden e Jean de Léry, sobre a etnia
Tupinambá no século XVI. A questão central para Rubiés seria estabelecer um
“ponto metodológico” entre a reprodução e os textos de Harriot-White com as
narrativas de Léry e as imagens de Bry.
Joan-Pau Rubiés, visando ligar as
tensões no imaginário renascentista e a teoria da representação contemporânea,
propôs uma análise da produção, reprodução, recepção e circulação de imagens
dos Tupinambás. Mas, o objetivo do artigo estaria em demonstrar como a
circularidade das imagens e o modelo de representação imagético estariam
relacionados com a linguagem científica do Humanismo europeu. O que
evidenciaria as várias tensões entre a intencionalidade dos autores e a
percepção e recepção de seus leitores. Por meio de sistema de convenções e
referências comuns à época, bem como o estilo artístico determinado pelo
gênero. Essas imagens atendiam a experiência e a expectativa dos círculos
intelectuais humanistas, conforme as ilustrações a seguir, retiradas de seu
texto, é possível compreender o “olhar europeu” sobre o “exótico” e o
“selvagem” na América:
Fig.
3
[RUBIÉS,
2009, p. 122]
As imagens em questão foram
interpretadas por Joan-Pau Rubiés por meio do prisma teórico dos estudos
culturais, o que projetou uma análise técnica desse passado. Neste caso, a
teoria da representação que estabelece relações entre a “forma” e o “conteúdo”,
pode ser entendida pela tríade clássica: “autor”, “reprodução” e “recepção”. Ao
estudar as práticas de impressão durante o Humanismo, Rubiés teve um acesso à
cultura europeia pelo o que se fixou (com as gravuras) e o que se transmitiu
(pela circularidade das reproduções) permitindo assim, a recomposição do
cenário em questão. Seu objetivo, por meio do prisma teórico da representação,
foi compreender os múltiplos significados das impressões, técnicos e políticos
da visão europeia da América.
Entretanto, um aspecto importante para
se refletir sobre as imagens do passado foi negligenciado na análise de
Joan-Pau Rubiés, o lugar do conhecimento sobre os indivíduos. No texto do
historiador, priorizou-se o caráter supra-individual transparecendo apenas o
gênero: “índios brasileiros”. Embora, o autor objetivasse responder a pergunta
sobre a “percepção dos selvagens” no início da idade moderna europeia, sua
análise não incorporou o estudo das diferenças étnicas como premissa ética para
sua investigação.
Em sentido claro, questiona-se do
artigo de Joan-Pau Rubiés a ausência de uma problematização sobre a sua
referência primária, os tupinambás. No texto não há qualquer menção aos
aspectos culturais dos ameríndios, apenas seus “rituais” e como são percebidos
e recebidos pela ótica europeia, entre a “ideologia da colonização” e a
“idealização do bom selvagem” [RUBIÉS, 2009, p. 121]. Em um sentido próximo ao
da etnografia clássica, Rubiés construiu o seu argumento na utilidade de
comprovar os seus próprios métodos de análises, aqui identificados, como a
produção, impressão e reprodução de imagens herdadas das pesquisas antiquarias.
Pelos quais, com maior ou menor consciência da pluralidade humana, investigou o
próprio contexto intelectual para apenas encontrar a Europa, apesar dos
Tupinambás.
Há outras possibilidades de compreender
a arte ameríndia, como por exemplo, os estudos antropológicos contemporâneos ou
mesmo dar atenção, mesmo que mínima, aos discursos sobre ou como são produzidos
pelos sujeitos representados, própria de uma discussão da História da Arte.
Neste aspecto, o ‘ponto metodológico’ de Joan-Pau Rubiés esbarra justamente no
discurso sobre os sujeitos, ou em termos teóricos, na alteridade.
Uma das questões centrais do discurso
sobre a alteridade, entendendo que este conceito refere-se às ideias oriundas
da crise da moralidade pós-Auschwitz e das descolonizações afro-asiáticas, que
privilegiou a pluralidade humana frente às explicações universais e
unidirecionais que legitimaram durante séculos a visão eurocêntrica.
Entretanto, as grandes teorias da historiografia contemporânea são
eurocêntricas e foi bem comum entre historiadores não problematizarem os
indivíduos que foram representados em seus textos ou imagens ou mesmo, segundo
Georges Didi-Huberman, não se recuperou o pensamento pelas imagens em suas
múltiplas temporalidades no ato interpretativo dos que tecem a intriga dos
tempos [DIDI-HUBERMAN. Apud. CAPEL,
2013, p. 30]. Mas, se o problema está no eurocentrismo ou na técnica, deve-se
descartá-los, mas não a teoria. Um dos caminhos possíveis seria contextualizar
o campo teórico a partir do referente em que se pretenda pesquisar por meio da
empatia, como ressaltou Heloisa Selma Fernandes Capel a partir dos argumentos
de Sandra Jatahy Pesavento:
Recuperar o outro no tempo ou reconstruir o outro no tempo? A perspectiva da autora [Pesavento] parece estar mais afinada com a perspectiva gadameriana, na medida em que a história cultural tem, por princípio, a rejeição à ideia do passado absoluto, considerando-o a partir do movimento da crise da objetividade histórica e a ênfase no sentido da representação. Ela nos explica que a leitura da imagem como interpretação do passado seria, portanto algo que só poderia ocorrer no âmbito da contemporaneidade da leitura [CAPEL, 2013, pp. 33-34].
A metodologia empregada por Sandra
Jathay Pesavento e por Heloisa Selma Fernandes Capel oportuna um exame teórico
dos fragmentos do passado (imagens ou textos) em uma superposição do real. Uu
seja, o que importa não seria a referência material, a reprodução e a recepção
a serem representados como objetos da investigação do passado, mas sim
considerar as imagens como “portas de entrada para o passado e para o universo
de razões e sensibilidades que mobilizam a vida dos homens de um outro tempo”
[PESAVENTO, 2008, p. 106].
Neste âmbito, a transposição didática
como forma a superar a distância entre o conhecimento produzido pela a
acadêmica e a sua possibilidade prática no ensino de história deveria servir
como capacidade de orientação histórica e da consciência histórica dos sujeitos
no mundo. Mas, infelizmente, o texto de Joan-Pau Rubiés não pressupõe uma ética
crítica que deveria prescindir discussões técnicas na análise das
representações imagéticas e textuais. Ao contrário a singularidade e a
compreensão étnica são avaliadas em circunstâncias quase mecânicas.
Embora, possa se argumentar que essa
problematização seja um caso isolado, mas mesmo assim, seria diretamente oposto
as generalizações que os transformaram as diversas etnias indígenas em gêneros
ou tipos-ideais. Não que se possa afirmar que todos os historiadores da cultura
fizeram generalizações neste sentido, ou mesmo, que se possa produzir
narrativas históricas sem os usos de generalizações [GAY, 2002, p. p. 27].
Repensar a estética ameríndia
No livro de Pedro Santiago e no texto
de Joan-Pau Rubiés é possível perceber algumas regularidades tecnicistas que
prescindem discussões éticas, imagéticas e sobre a pluralidade étnica. Pois,
aquilo que é passível de ser observado e representado, seja por imagens ou
textos, e mesmo que seja apenas um caso isolado, não deveria ser generalizável.
Isto implica em considerar a necessidade de construir outros modelos para o
ensino da história, capazes de incorporar a alteridade em suas práticas e
saberes. Um exemplo seria compreender a técnica indígena por meio de sua
produção, como se pode ilustrar, nas imagens a seguir:
Fig.
4
[LAGROU,
2009, p. 24]
Fig.
5
[LAGROU,
2009, p. 26]
Por meio de uma comparação do
“artesanato” produzido pela etnia Wayana e dos “experimentos” que dão forma a
sua compreensão estética dos membros da etnia Pirahã é possível apreender que
suas criações artísticas são constituídas através de “etapas”, “testes” e
“experimentações”. As mesmas são envoltas em sua dimensão existencial, por
práticas e por variadas possibilidades de sentidos e significados. O desenho no
cesto é parte de uma composição que vai da experiência do “real”, os animais,
para uma construção da cosmovisão religiosa e o próprio cotidiano dos
ameríndios, pois:
A quase totalidade das coisas e dos seres do Cosmos é
percebida como resultado de atos, de processos: as nuvens são produtos da
interferência dos humanos ao usarem fogo; o vento, os raios, a lua, o sol, as
estrelas, os animais e os vegetais foram e continuam sendo produzidos pelos
seres abaisi (deuses) a partir da lógica do “experimento”, modo de
fabricação que utiliza distintos materiais como areia, terra e vegetais – dos
quais são extraídas as tinturas e madeiras, os quais, misturados, possibilitam
a emergência da diferença [GONÇALVES, 2001, p. 33].
Mesmo que nesta pequena explicação
sobre a arte dos Wayana e dos Pirahã não seja uma análise mais detida dos
processos técnicos ou dos sentidos fenomenológicos da existência, esta
apresentação exemplifica uma possibilidade de compreensão de suas ferramentas e
de como concebem sua estética. No caso particular dos Tupinambás, ainda
remanescentes, também é possível observar, por meio de imagens, o sentido
técnico da arte em sua dimensão ontológica:
Fig.
6
[PAIVA,
2007, p. 7]
As representações iconográficas encontradas em peças de
artesanato e na pintura corpórea dos Tupinambás não podem ser compreendidas
enquanto cópias dos elementos existentes, nem uma continuidade dos tempos
pré-cabralianos. Os Tupinambás de Olivença, no sul da Bahia, substituem os
fatores naturais ou históricos pela presença abstrata de seu cotidiano. O
modelo para as pinturas corporais, como se pode observar na imagem acima, o
símbolo Ong Thydêwá (que pode ser
traduzido como “terra”), visa reconstruir o tempo imemorial em uma dimensão
cotidiana. Mesmo, sendo difícil capturar as sincronias dessas técnicas, é
possível fazer uma referência aos aspectos técnicos e aos existenciais, pois,
como argumenta Anderson dos Santos Paiva:
A poética ornamental pode assumir, portanto, funções das
mais diversas, transformando o modo de apresentação tribal de acordo tanto com
os conteúdos mais genéricos, compartilhado com o montante do grupo, quanto com
os individuais, remodelados a partir do que consideram suas matrizes
tradicionais, ou mesmo, da apropriação de formas exteriores. A busca pelo
estabelecimento de um repertório que congregue estes símbolos já estabelecidos
e os signos em plena elaboração é o que converge no corpus gráfico, um conjunto
formado pelos diversos elementos da poética pictórica indígena que caminha por
si em paralelo ao estabelecimento da marca tribal, último estágio da produção
gráfica identitária [PAIVA, 2007, p. 9].
Mesmo que o foco da historiografia
tradicional ou de algumas interpretações pós-coloniais estejam na questão
técnica (da produção, da reprodução, da inovação e nos elementos históricos
analisados por teorias), a arte ameríndia não é uma reprodução técnica, mas
isto não exclui a possibilidade de uma adequação dos procedimentos de análise
para a compreensão da pluralidade humana. Ao criticar o lugar privilegiado do
eurocentrismo, do tradicionalismo, da técnica e da redução da arte ao
artesanato, intentou-se identificar nas diferenças os aspectos que escapam a
discussão do ensino de história, uma que procurasse evitar generalizações ou
conforme descreveu o fundador do Núcleo de Cultura Indígena e do Núcleo de
Direitos Indígenas, Ailton Krenak:
Algumas
danças nossas, que algumas pessoas não entendem, talvez achem que a gente
esteja pulando, somente reagindo a um ritmo da música, porque não sabem que
todos os gestos estão fundados num sentido imemorial, sagrado. Alguns desses
movimentos, coreografias, se você prestar atenção, ele é
o movimento que o peixe faz na piracema, ele é o movimento que um bando de
araras faz, organizando o vôo, o movimento que o vento faz no espelho da água,
girando e espelhando, ele é o movimento que o sol faz no céu, marcando sua
jornada no firmamento e é também o caminho das estrelas, em cada uma das suas
estações. Por isso que eu falei a você de um lugar que a nossa memória busca a
fundação do mundo, informa nossa arte, a nossa arquitetura, o nosso
conhecimento universal [KRENAK, 2006, p. 202].
Referências
Álvaro
Ribeiro Regiani é mestre em história pela Universidade de Brasília, doutorando em história pela Universidade
Federal de Goiás e professor de História da América na UEG – Campus Formosa.
Kênia
Érica Gusmão Medeiros é mestra em história pela Universidade de Brasília,
doutoranda em história pela Universidade Federal de Goiás e professora de
História no Instituto Federal Goiano – Campus Posse.
CAPEL,
Heloísa Selma Fernandes. Ambições eucrônicas: História cultural e
interpretações das imagens. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 37, n.
01, p. 029-043, 2013.
GAY, Peter. O século de Schinitzler: a
formação da cultura da classe média (1815-1914). São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
GONÇALVES, Marco Antonio T. O mundo Inacabado. Ação e criação em
uma Cosmologia Amazônica. Etnografia Pirahã. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.
GOW,
Peter. A geometria do corpo. In.
NOVAES, Adauto (Org.). A Outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
HABERMAS,
Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução Arthur Morão. Lisboa –
Portugal: Edições 70, 2006.
KRENAK,
Ailton. Antes, o mundo não existia. In.
NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das letras:
Secretária Municipal da Cultura, 1992.
LAGROU, Els. Arte indígena no
Brasil: Agência, alteridade e relação. Belo Horizonte: Editora C / Arte, 2009.
NOGUEIRA, Pablo. Wajãpi é coisa
nossa. In. http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT656743-1949,00.html
2007.
PAIVA, Anderson dos Santos. Arte
gráfica e pintura corporal Tupinambá de Olivença. Trabalho apresentado no III
ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado entre os
dias 23 a 25 de maio de 2007, na Faculdade de Comunicação/UFBa,
Salvador-Bahia-Brasil.
PERRONE-Moisés,
Beatriz. Mitos ameríndios e o princípio da diferença. In. NOVAES, Adauto (Org.). Oito visões da América Latina. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006.
PESAVENTO,
Sandra Jathay. O mundo da imagem: Território da história cultura. In.
PESAVENTO, Sandra Jathay; SANTOS, Nádia Maria Weber; ROSSINI, Miriam de Souza.
Narrativas, imagens e práticas sociais. Porto Alegre: Editora Asterisco, 2008..
RUBIÉS, Joan-Pau. “Texts, Images,
and the Perception of ‘Savages’ in Early Modern Europe: What We Can Learn from
White and Harriot”, in: Kim Sloan (Ed.). European
Visions, American Voices. London: British Museum, 2009.
SANTIAGO,
Pedro (Org.).Por dentro da História 1. 4 ed. São Paulo: Escala Educacional,
2016.
SANTIAGO,
Pedro (Org.).Por dentro da História 3. 4 ed. São Paulo: Escala Educacional,
2016.
Parabéns pelo excelente texto.
ResponderExcluirCom base na lei 11.645, de que forma podemos desconstruir em sala de aula, o rebaixamento do saber, da arte e da cultura indígena para o artesanato, tendo em vista ser este um problema ainda recorrente nos livros didáticos?
Antonio Marcos Silva Sousa
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ExcluirOlá Antonio! Obrigada por sua pergunta. Complementando a resposta do professor Álvaro, também acredito que reflexões em sala sobre o caráter de documento histórico atravessado por relações de poder do próprio livro didático também é importante. Além disso, creio que há uma falha na formação docente no tocante a esses conteúdos, como há também dificuldades por parte de muitos docentes já atuantes na manutenção da formação continuada. Desse modo, infelizmente continua-se oferecendo em grande parte das escolas de ensino básico, um ensino sobre a história indígena com perspectivas atrasadas. Além dos textos acadêmicos, logicamente sendo adaptados para o ensino básico, a página de internet Índio educa também tem coisas interessantes.
ExcluirKenia Gusmão Medeiros
Olá Antonio Marcos Silva Sousa, muito obrigado pela pergunta. De fato este este é um problema recorrente nos livros didáticos, entretanto, o manual é apenas um suporte educacional, cabendo o professor regente utilizar outros suportes, como textos ou vídeos, para complementar ou mesmo criticar o material. Com isso, objetiva-se formentar um debate com múltiplas visões e de acesso a informações.
ExcluirÁlvaro Ribeiro Regiani
Sobre o pensamento da autora Sandra Jatahy Pesavento: recuperar o outro no tempo ou reconstruir o outro no tempo? Assim também usando as imagens sobre os povos indígenas construídas no passado, com o " olhar europeu" sobre o "exótico" o "selvagem" e a imagem abordada no livro didático de Pedro Santiago, onde mostra que os "índios" só absorveram da modernidade panos e chinelos, como podemos abordar no ambinete escolar, a cultura e a imagem do indigena contemporâneo? Que tipo de metodologias poderíamos usar para mostrar e provar que os diversos povos indígenas não estão congelados no tempo?
ResponderExcluirAntonio Marcos Silva Sousa
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Excluircredito ser também caso de uma abordagem interdisciplinar, que aproxime história e sociologia. É impressionante que as pessoas ainda concebam que as sociedades indígenas deveriam estar paradas no passado para que assim seus indivíduos contem com um status de legitimidade cultural. Demonstra como a representação do sujeito indígena merece maior atenção nos processos de ensino de história.
ExcluirKenia Gusmão Medeiros
Olá Antonio Marcos Silva Sousa, muito obrigado pela pergunta. Conforme abordado na resposta anterior, se faz necessário, em primeiro lugar, uma pesquisa interdisciplinar para superar a lacuna oriunda entre a prática docente e os estudos desenvolvidos na acadêmia. Ou seja, por meio da transposição didática, ao passo que são muitos os enfoques e, principalmente, hoje em dia, que as produções acadêmicas estão sendo elaboradas pelos próprios indígenas. Desta forma, assumo a posição teórica e metodológica que a arte indígena deve ser compreendida como arte e que ao longo dos séculos a mesma arte vai se alterando dada a dinâmica cultural inerente a ação humana. Por fim, ao expor a representação artística dos ameríndios, há de se compreender que esta não está congelada, mas que a cada produção, mesmo por meio da repretição tradicional há um diálogo com o tempo vivido.
ExcluirÁlvaro Ribeiro Regiani
Boa noite, parabenizo os autores pelo texto. Enquanto professora da rede básica de ensino e também pós graduanda e pesquisadora das historiografias indígenas, gostaria de saber se vocês, dentro do desenvolvimento da pesquisa, conseguiram identificar algum historiador que consiga fazer esse exercício teórico de interpretação dos sujeitos indígenas apontando suas dinâmicas de articulação simbólica na contemporaneidade, tal qual os autores das Ciências Sociais apresentados por vocês no texto. Desde já, grata pela atenção.
ResponderExcluirObrigada pela pergunta Renata! Existem sim historiadores pensando essa questão indígena a partir de pesquisas mais próximas das alteridades indígenas. O melhor é que existem escritores e historiadores indígenas com excelentes contribuições para a área.
ExcluirAbraço
Kenia Gusmão Medeiros.
Olá, Renata Carvalho Silva, muito obrigado pelas palavras. Sugiro o livro do Victor Leonardi, Entre árvores e esquecimentos: A modernidade e os povos indígenas. História social dos Sertões.
ExcluirÁlvaro Ribeiro Regiani
Boa noite!
ResponderExcluirPenso que um grande desafio para a implementação da lei 11.645 é possibilitar aos professores um contato mais próximo com os povos indígenas para que assim ele passe a entender o que a construção de conhecimentos e a diversidade cultural humana. Como favorecer esse contato mais próximo?
Cláudia Marques de Oliveira
ExcluirOlá Cláudia Marques de Oliveira, o primeiro passo, acreditamos, é repensar os valores historiográficos atribuídos aos povos da floresta, repensando em conjunto com o alunado conceitos como arte e artesanato; modernidade e tradição; progresso e ecologia; etnicidade e cultura.
ExcluirAlém dessas questões, hoje na internet é possível uma aproximação maior do alunado com os debates indianistas no Brasil pela visão de diversas comunidades.
Álvaro Ribeiro Regiani