Edson Willian da Costa


A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO A CERCA DOS QUILOMBOS NO PARANÁ:  O CASO PAIOL DE TELHA


No estado Paraná encontram-se inúmeras comunidades quilombolas, todas estas com suas particularidades, e diferentes formas de organização social. As discussões sobre comunidades remanescentes nas escolas, em alguns momentos apresentam visões lacunares a respeito da temática, as características atribuídas as comunidades em grande parte são singulares, “comunidade quilombola” e não sobre “comunidades quilombolas”, e é em relação a este ponto que buscaremos apresentar as características de uma determinada comunidade em especial, a diferenciando das demais, e mostrando a pluralidade das comunidades quilombolas no estado do Paraná, reforçando a importância da temática no ensino de história da África e da cultura afro brasileira nas escolas, bem como a importância da lei 10.639 que a partir de 2003 torna obrigatório o ensino desta temática nas escolas.   A comunidade a ser abordada é a Invernada Paiol de Telha, que segundo Cararo (2016) a comunidade se constituiu nas regiões onde hoje estão localizados os municípios de Guarapuava, Pinhão e Reserva do Iguaçu.

“Com o intuito de atrair novos povoadores e expandir a ocupação territorial dos Campos de Guarapuava, desenvolvendo economicamente a região, o Capitão Antônio da Rocha Loures, responsável pela administração do povoamento, passou a conceder novas concessões de terras, com autorização real, mesmo após o sistema de sesmarias ter sido suspenso por ordem do príncipe Regente D. Pedro, em julho de 1822.” (CARARO, 2016, p. 83)

Neste período as terras estavam sendo concedidas para que o desenvolvimento agrícola adquirisse novas proporções no estado. No momento é concedida uma faixa de terra que corresponde as regiões já mencionadas, onde foi nomeada como Fazenda Capão Grande, terras concedidas a Manoel Ferreira dos Santos e sua esposa Balbina Francisca de Siqueira, com a intenção de instalar-se no local uma fazenda de criação.
Bem sabemos que neste período a mão de obra utilizada para o desenvolvimento de uma propriedade, era a escrava, mostrando o quão foi difundida a escravidão no Paraná. Na fazenda Capão Grande, segundo Cararo (2016) não foi diferente, quando Balbina e Manoel Ferreira receberam a concessão das terras, logo providenciaram escravos para o desenvolvimento da propriedade, contabilizando assim, segundo a autora onze escravos adquiridos por Manoel Ferreira e mais dois adquiridos por Balbina após a morte de Manoel. A mão de obra escrava foi muito difundida neste período para o desenvolvimento das fazendas de criação.
No período eram comum as fugas dos escravizados das fazendas, diante das condições desumanas que estavam submetidos a melhor alternativa para sobrevivência e uma melhor condição de vida era através da fuga. Na fazenda de Manoel Ferreira e Balbina estas fugas não eram tão frequentes, pois aos escravos foram feitas propostas em relação ao seu bom desempenho no cumprimento das tarefas na fazenda. Manoel Ferreira estabeleceu acordos com seus escravos, a eles a liberdade foi prometida após a morte de Manoel, caso desenvolvessem bom desempenho nas tarefas da fazenda.

“Esse gesto efetuado por Manoel e, posteriormente por Balbina, em cujo testamento redigido em 1860, reafirma a vontade do marido e concede a liberdade aos onze escravos nominados por ele, e para mais dois adquiridos por ela após seu falecimento, mostra que alguns escravos conseguiram estabelecer um bom relacionamento com seus senhores, mesmo tendo que cumprir os requisitos impostos pelos mesmos para poderem gozar de sua liberdade. Entretanto Balbina foi além do simples cumprimento da vontade de Manoel, ela deixa para o grupo composto de treze libertos, uma área de terra que pertencia a sua fazenda, para que os mesmos tivessem onde morar com suas famílias, após receberem a liberdade: A Invernada Paiol de Telha.” (CARARO, 2016, p.85).

 Diante disso não se pode naturalizar este processo, pois como apontam as análises, o recebimento das terras por parte de seus senhores se deu por seu bom desempenho na fazenda, porém não se pode descartar hipóteses de que estes escravos não eram submetidos a castigos físicos. Esta é uma questão a ser pensada, sobre tal, ainda não sabemos, pois este caso sempre foi tratado como um processo natural de recebimento de terras por bom comportamento e desenvolvimento na propriedade.
Como já ajustado entre Balbina e Manoel a liberdade do grupo de escravos diante de sua morte, a atitude se concretiza após o ocorrido. Logo após a morte de Manoel e posteriormente a de dona Balbina os escravos ficam como donos da propriedade, e ali se organizam dando continuidade as tarefas rotineiras da fazenda. Segundo Cararo (2016) as famílias da propriedade eram pequenas, ou seja, eram poucas pessoas para administrar uma vasta propriedade, mas diante disso os moradores da região organizaram uma forma de trabalho comunitário, uns auxiliavam os outros com os afazeres da fazenda, sejam estes de trabalho na roça, e até para construir casas para seus vizinhos. O sistema continua sendo pratica do no decorrer dos anos sob o nome de puxirão.

“Muitas vezes, o puxirão era organizado sem o conhecimento do dono da roça chamando-se então surpresa. Conhecedores das dificuldades enfrentadas por algumas famílias na execução de suas tarefas agrícolas, um grupo de parentes combinava um puxirão. Algumas vezes anunciavam suas intenções, informando a algum membro da família que reeberiam ajuda, o que significava que este deveria oferecer alimentos aos participantes da surpresa. Tal dia, contam os informantes, nós vamos ajudar fulano, ele que faça quirela com frango, mate um porco pra comer.” (HARTUNG, 2004, p. 38)

Neste período na região de Guarapuava encontrava-se o coronel Pedro Lustosa de Siqueira, individuo este que foi responsável pela desanexação de grande parte do território da fazenda Capão Grande. Segundo Cararo (2016) sessenta e cinco por cento das terras pertencentes a comunidade remanescente foi desanexada da fazenda, pois o gado pertencente a Pedro Lustosa já estava no território há algum tempo. Quando os donos da fazenda perceberam a grande perda da área, já era tarde demais. Por volta de 1875 os libertos promoveram uma ação junto ao governo provincial em relação a Pedro Lustosa, mas já se tinha passado muito tempo em relação ao ocorrido e o processo foi arquivado.

“Após a posse, pelos negros, das terras doadas por sua benfeitora, iniciou-se por parte de Pedro Lustosa, a mudança do marco das terras para diminuir a área doada por Dona Balbina aos escravizados, num lento processo de expropriação. Maria Luiza Abibe, também filha de escravizados, disse em depoimento declarado em cartório que teve contato com a história aos 15 anos de idade, e que ouviu de seu bisavô (um escravizado não herdeiro de terras) quinze dias antes de sua morte que a mando do coronel Pedro Lustosa haviam tirado os marcos que faziam divisas com a fazenda de torres com a Invernada Paiol de Telha (antiga fazenda Capão Grande).” (SENE, 2008, p.50).

Com a perda de grande parte da propriedade, os libertos decidiram organizar as famílias, e cada família ficaria com uma determinada região para que supostamente esta medida ajudasse na recuperação da propriedade. Para a regulamentação das terras os moradores procuram órgãos governamentais, João Ribeiro Pinto um comerciante da região com a autorização dos moradores daria início a regulamentação da propriedade. A regulamentação não ocorre como o combinado, o comerciante forja uma escritura, onde no documento consta que os moradores vendem a ele grande parte da propriedade, e “Daquela data em diante, portanto metade do território da Invernada Paiol de Telha (1.600 hectares ou 8000 alqueires) deixava de ser dos moradores” (CARARO, 2016, p.91)
Após este golpe aplicado a comunidade Paiol de Telha as terras que estavam em posse do comerciante foram vendidas a terceiros. Logicamente estas pessoas que compraram as terras queriam utiliza-la, sem levar em consideração as famílias que ali residiam, e como consta foram brutalmente enganadas. As famílias que ali residiam permaneceram no local como ato de reivindicação de suas terras, reforçando o processo de resistência, pois como falado as famílias foram brutalmente enganadas em relação a legitimação de sua propriedade.
Neste período começam grandes conflitos entre os residentes da propriedade e os “donos” das terras, com isso as famílias são ameaçadas para deixar o local.

“O delegado Oscar, então proprietário das terras, tratou de usar de seu cargo e influencia para coagir e ameaçar as famílias para conseguir que elas desocupassem as terras, que estavam sendo negociadas com uma cooperativa da região, a Cooperativa Agraria.” (CARARO, 2016, p. 91).

Para Sene,

“Oscar Pacheco transferiu o direito e posse sobre a terra para a Cooperativa Agraria Mista de Entre Rios. Para tanto, repassou documentos forjados para os representantes da cooperativa. Entre os negros era comum a ideia de que “(...) a Cooperativa percebeu a confusão que envolvia a negociação e não efetivou o pagamento, requerendo o usucapião, em 1891. Em 1975, Domingos Guimarães, ultimo morador que resistiu a expulsão, sobrevivei a um atentado, que segundo ele, foi desencadeado por jagunços da cooperativa. Domingos sobreviveu, mas foi obrigado a sair da área em função de constantes ameaças. Os descendentes procuraram apoio judicial. Contrataram o advogado Jacinto Simões para defende-los. No entanto, Jacinto teve de abandonar a ação sob a alegação que sofreu pressões e ameaças, tendo inclusive, de vender o próprio escritório de advocacia. Envolver-se no assunto implicaria em perseguições de naturezas distintas.” (SENE, 2008, p. 53)

Diante disso as famílias são obrigadas a sair da propriedade, pois como mencionado são ameaçadas e agredidas fisicamente para que desocupem logo o território que então seria destinado a uma Cooperativa. As famílias saem da propriedade sem nenhuma condição para se manter.
É possível a partir disso compreender o movimento de resistência da comunidade Paiol de Telha, comunidade está que foi humilhantemente enganada no passado, e trava grandes lutas judiciais para reivindicar seu direito sobre as terras que lhe foram retiradas. As lutas sobre a posse das terras é resultante do período em que as famílias tomam conhecimento sobre a perda da propriedade e que podem ser vistas até os momento atuais.
O movimento de resistência quilombola na Invernada Paiol de Telha vem tomando grandes proporções nos momentos atuais, à justiça que tanto negou o direito as terras a comunidade, vem tomando novas medidas em relação a este território, diante das reivindicações. Com o decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003 assinado pelo ex presidente Lula, houve uma regulamentação em todo o território nacional para a identificação, delimitação, reconhecimento e titulação das terras que foram ocupadas por pertencentes dos quilombos. Isso tudo é feito pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) órgão responsável pela delimitação destas terras.
Porem esse decreto passou por um sério ataque onde foi necessário ser revisto e julgado sobre sua constitucionalidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal):

“A ação movida pelo Democratas (DEM) tramita no Supremo, desde 2004, quando os partidários defenderam que só seriam comunidades quilombolas aquelas formadas antes da Lei Áurea, em 1888. Para a Fundação Cultural Palmares (FCP), órgão responsável pela identificação e certificação desses territórios, quilombolas são os grupos étnico-raciais com trajetória histórica própria, que respeitam sua ancestralidade negra e têm relação com a resistência à opressão histórica sofrida.” (BRASIL, 2018)

Sendo que o quilombo Paiol de Telha seria afetado por tal decisão, então foi julgado em 8 de fevereiro de 2018 o caso. A ministra Rosa Weber votou pela improcedência da ação, sendo acompanhada pelos ministro Fachin, Barroso, Fux, Celso de Mello e Cármen  Lúcia.
Diante disso podemos analisar como se consolidou a luta da Comunidade Paiol de telha, mostrando suas particulares e organização político social, compreendendo a importância desta temática diante da lei que torna obrigatório o ensino de História da África e da Cultura afro brasileira, e também as transformações atribuídas ao próprio conceito de quilombo, que segundo Mattos (2005-2006) os chamados novos quilombos não são necessariamente constituídos por escravos fugitivos, podem ser constituídos pela formação de um campesinato constituído por escravos libertos e seus descendentes, no contexto da desagregação da escravidão e de sua abolição no Brasil.
A temática abordada torna-se algo de extrema importância a ser trabalhada nas escolas juntamente aos estudantes. Junto a formação dos quilombos, bem como o próprio conceito a ser trabalho reforçam a importância da história regional nas discussões a respeito da temática. Através destas abordagens será possível que os estudantes compreendam a relevância da história regional, como da cultura afro brasileira e como a escravidão foi difundida no estado do Paraná.

Referências
Edson Willian da Costa acadêmico do curso de História na Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO).
BRASIL, Diretrizes curriculares Nacionais para Educação das Relaçoes Étnico-Raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e Africana, Brasília, 2004.

CARARO, Adriana Ribas Adriano. A Invernada Paiol de Telha e a nova legislação quilombola (1975-2015): A constituição da comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha a partir do decreto Nº4.887/2003- (2005-2015) Dissertação (Mestrado em cultura e identidades- área de concentração: História, cultura e identidades) Universidade Estadual de Ponta grossa, Ponta Grossa, 2016. 
HARTUNG, Miriam Furtado. O sangue e o espirito dos antepassados: escravidão, herança e expropriação no grupo negro Invernada Paiol de Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.
MATTOS, Hebe. Remanescentes das comunidades dos quilombos: Memórias do Cativeiro e Político, REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 104-111, dezembro/fevereiro 2005-2006.
Quilombolas se unem em defesa do decreto N° 4887/2003.
Acessado em 20. Jun. 2018
SENE, Roberto Revelino. Caso Paiol de Telha: Uma História dos descendentes de Negros escravizados frente a expropriação de terras em Guarapuava, PR. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais aplicadas) Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2008.




7 comentários:

  1. Edson, sua pesquisa é muito interessante! Gostaria de saber se tais comunidades são trabalhadas no material didático, enquanto um tema pertinente ao ensino de história da África e da cultura afro brasileira?

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Edson, sua pesquisa é muito interessante! Gostaria de saber se tais comunidades são trabalhadas no material didático, enquanto um tema pertinente ao ensino de história da África e da cultura afro brasileira?
    Carmem Lúcia Gomes De Salis

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    1. Olá professora Carmem, obrigado.
      Diante do meu contato com os materiais didáticos não foi possível identificar uma problematização aprofundada a respeito das comunidades quilombolas, tanto no âmbito nacional, quanto regional. A temática pouco aparece nos materiais didáticos. Em alguns momentos quando é abordada nos materiais acaba deixando a desejar, fazendo com que um tema extremante relevante para a história em âmbito regional acabe em alguns casos reforçando estereótipos em torna das comunidades, e sobre o próprio conceito de quilombo.

      Att

      Edson Willian da Costa

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  4. Parabéns pelo tema e qualidade da pesquisa.
    sobre os Quilombos existentes no Paraná, tem conhecimento de quantos são e se é possível saber a localização deles?

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    1. Olá Luiz, muito obrigado.

      Sobre os quilombos no Paraná estima-se que sejam aproximadamente trinta e quatro comunidades reconhecidas pela fundação Palmares espalhadas por todo o estado, próximas a cidades como: Guarapuava, Adrianópolis, Candói, Palmas, etc. Há um trabalho publicado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) intitulado “Comunidades Quilombolas no Paraná” que nos mostra um mapeamento das comunidades quilombolas no estado, o trabalho apresenta uma excelente discussão sobre quilombos, nos fornece informações sobre o número de comunidades e sua localização.

      ATT

      Edson Willian da Costa

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