Luciano José Vianna


A PRESENÇA CASTELHANA X“LOS NATURALES”
DOS“GRANDES REINOS Y GRANDES PROVINCIAS DEL PERÚ”
NA VISÃO DE BARTOLOMÉ DE LAS CASAS


Introdução
“Si se hobiesen de contar las particulares crueldades y matanzas que los cristianos em aquellos reinos Del Perú han cometido y cada día hoy cometen, sin Duda ninguna serían espantables, y tantas que todo lo que hemos dicho de las otras partes se escureciese y pareciese poco, según La cantidad y gravedad delas” (Las Casas, 2006, p. 139).

A “Brevísima relacción de La destrucción de lãs Indias” foi escrita em 1542 por Bartolomé de las Casas, ou seja, 50 anos depois da chegada gradativa de europeus ao solo do que seria posteriormente conhecido como América castelhana. Tal obra foi elaborada através de testemunhos visuais, escritos e orais para recontar o desenvolvimento da conquista castelhana nas terras americanas (Colombi, 2013, p. 91-102).

Bartolomé de las Casas escreveu uma primeira versão de sua obra em 1542, com outro título, obra a qual foi lida pelo rei Carlos V, e que proporcionou a ocasião para a redação das Leyes Nuevas de las Índias. A publicação definitiva da obra de Las Casas foi em 1552, e assim percebemos que a mesma está inserida em um contexto de preocupação com a condição das populações nativas por parte da Coroa de Castela, uma vez que as chamadas Leyes Nuevas de lãs Indias, estavam voltadas, principalmente, para a proteção das populações locais diante das relações sociais com os castelhanos que viviam na América castelhana.

O território Inca antes da chegada dos castelhanos
O aparecimento dos incas no Vale do Cuzco ocorreu através da aliança com outras três tribos étnicas: os Sahuasiray, os Allcahuisa e os Maras. Posteriormente, estes quatro grupos passaram então a formar uma confederação que aos poucos se formou na representação inca e que, geograficamente, coincidiu com o estabelecimento do território do Vice Reino do Peru, já existente no contexto de Las Casas (Ferreira, 1988, p. 37-38; Cardoso, 1992, p. 97). O processo de formação territorial Inca iniciou-se com a derrota dos Chancas em 1438. No decorrer dos anos seguintes, vários grupos étnicos foram incorporados ao território inca (Ferreira, 1988, p. 39-40). Os territórios se estendiam desde a região do atual Equador até ao Rio Maule, localizado no Chile (Bernand e Gruzinski, 1997, p. 42). Essa sociedade prezava a paz e não era belicosa. Entretanto, quando utilizavam a guerra era para alcançarem a própria paz. O processo de expansão inca é entendido pelo motivo de defesa, ou seja, a expansão foi realizada pelo receio dos ataques vizinhos (Ferreira, 1988, p. 38).

Em relação à arrecadação de tributos, realizava-se de três maneiras: um trabalho coletivo nas terras do Inca e do Sol; a mita, um serviço pessoal temporário que antes da conquista não era rigoroso e havia uma toda generosidade por parte do Kuraka, e que depois foi assumida pelo Estado e realizada também nas suas terras; e por fim o tributo têxtil, realizado pelas mulheres (Bernand e Gruzinksi, 1997, p. 37) chamadas Acclas,que viviam no Templo do Sol. Todos esses tributos eram legitimados pela redistribuição do excedente, pela benevolência do Inca e pela “capa religiosa” que o tributo assumia quando o Inca aparecia como filho do Sol. A função tributária era dupla, pois ao mesmo tempo em que fazia a comunidade participar de um conjunto mais dilatado fixava-a em seu próprio local (Ferreira, 1988, p. 47).

Com uma centralização político-administrativa forte, constituiu-se uma burocracia concisa e hierarquizada. Dividida em sete unidades, a população estava sob a chefia de um Kuraka e, acima de todos, o Inca. Os Kurakas representavam o filho do Sol, eram considerados os elos de ligação entre o poder central e as populações e, na prática, dividiam o poder com o Inca. Os Apos auxiliavam os Kurakascom conselhos. Eram em número de quatro e cada um responsável por uma das quatro divisões do território. Os auxiliares do Apo eram os Tukrikuk, que eram nomeados diretamente pelo Inca sendo os mesmos de sua linhagem. Entre seus afazeres estão a realização da justiça, manutenções de obras urbanas e cobranças tributárias. Já os assistentes dos Tukrikuk eram os Kipukamaiyoc, que auxiliavam na contabilidade através dos kipus. Os benefícios desses funcionários eram em forma de yanas, esposas e terras (Ferreira, 1988, p. 49-52).

Foi a esta sociedade organizada nos parâmetros que apresentamos brevemente que os castelhanos chegaram e foram retratados na obra de Las Casas, principalmente em busca de ouro:

“creció en crueldades y matanzas y robos, sin Fe ni verdad, destruyendo pueblos, apocando, matando las gentes dellos y siendo causa de tan grandes males que han sucedido em aquellas tierras, que bien somos ciertos que nadie bastará a referillos y encarecellos hasta que los veamos y conozcamos claros El dia Del juicio” (Las Casas, 2006, p. 130).

Há, desta forma, um antes (território Inca) e depois (Vice Reino do Peru) na história deste território depois da chegada dos castelhanos, mudança que, nas palavras de Las Casas, está permeada pela violência contra as populações locais: 

“el pago que lês dieron a la fin fue que los metieron a espada y alancearon mucha cantidad de gentes dellas, y los que pudieron tomar a vida hicieron esclavos, con grandes y señaladas crueldades otras que em ellas hicieron.” (Las Casas, 2006, p. 131).

O choque e a conquista castelhana do território
Por volta de 1531, Pizarro partiu para sua expedição de conquista. Apesar de ter ser defrontado com um território melhor organizado do que o dos astecas, chegou em um momento em que estava ocorrendo uma crise sucessória entre os filhos de Huayna Capac, Huascar e Atahualpa, em relação à liderança do território na figura do Inca. Aproveitando-se desta dissensão, Pizarro obteve vitórias para alcançar seus objetivos. Assim como Cortés, Pizarro queria dominar o então futuro inca, Atahualpa, para torna-lo vassalo do rei da Castela e dominar todo o território utilizando as estruturas administrativas existentes para obter metais preciosos (Elliott, 1998, p. 171).

Na obra de Bartolomé de las Casas, Pizarro é representado com palavras que vinculam o mesmo a um processo violento de conquista, tais como: “tirano”, “crueldades”, “matanzas”, “robos”, todas vinculadas à tentativa de obtenção de ouro:

“Em el año de mil y quinientos y treinta y uno fue otro tirano grande con certa gente a los reinos Del Perú, donde, entrando conel título e intención y com los principios que losotros todos passados (...), creció en crueldades y matanzas y robos (...). Em sui nfelice entrada mató y destruyó algunos pueblos y les robô mucha cantidad de oro” (Las Casas, 2006, p. 130).

Inicialmente, o estabelecimento territorial dos castelhanos ocorreu na costa peruana. Isso foi um motivo para que Atahualpa não ordenasse qualquer combate contra os invasores. De fato, Las Casas destaca duas localidades que foram primeiro ocupadas pelos castelhanos, a ilha de Puná (Las Casas, 2006, p. 130-131) e a província de Tumbala (Las Casas, 2006, p. 131-132), onde a destruição das populações e a busca pelo ouro e prata são as duas características mais destacadas da narrativa.

Entretanto, em um ataque surpresa em 1532, os castelhanos capturaram Atahualpa e exigiram um resgate em ouro e prata. Mesmo depois de pago o resgate, o governante inca foi exterminado, como Las Casas destaca em sua obra:

“Salieron a él, matáronle infinitas gentes, prendiéronle su persona, que venía en unas andas, y después de preso tratan con él que se rescatase. Promete de dar cuatro millones de castellanos y da quince, y ellos prométenle de soltalle, pero al fin, no guardándole la fe ni verdad, (como nunca en las Indias con los indios por los españoles se ha guardado), levántanle que por su mandado se juntaba gente; y él responde que en toda la tierra no se movía una hoja de un árbol sin su voluntad, que si gente se juntase creyesen que él la mandaba juntar y que preso estaba, que lo matasen. No obstante todo esto, lo condenaron a quemar vivo (...)” (Las Casas, 2006, p. 132-134).

Pizarro nomeou como sucessor Manco Inca, irmão de Atahualpa, pois assim poderia dominar a máquina militar e administrativa existente e canalizar todos os lucros para o lado castelhano. Entretanto, acontecimentos como a fundação de Lima junto a costa, tornando o controle sobre as regiões andinas difícil, e as constantes disputas entre os próprios castelhanos pelos espólios, favoreceram um início de resistência oferecida contra os castelhanos (mesmo que tivessem conquistado Cuzco em 1533) (Elliott, 1998, p. 171-173).

Neste sentido, a conquista castelhana foi seguida de episódios de extrema violência, como este que é narrado por Las Casas através das palavras de Frei Marcos de Niza, franciscano e que Las Casas se utiliza de seu discurso para fortalecer seus argumentos na obra:

“yo afirmo que yo mesmo vi ante mis ojos a los españoles cortar manos, narices y orejas a indios e indias sin propósito, sino porque se les antojaba hacerlo, y en tantos lugares y partes que sería largo de contar. Y yo vi que los españoles les echaban perros a los indios para que los hiciesen pedazos, y los vi así aperrear a muy muchos. Asi mesmo vi yo quemar tantas casas y pueblos que no sabría decir el número, según eran muchos.” (Las Casas, 2006, p. 137).

A realidade da situação indígena no território e a visão de Las Casas
Ao se deparar com uma terra onde se exigia uma dedicação ao trabalho, o homem europeu se indagou sobre como iria conviver nesta terra. Para superar esse obstáculo e para preservar os homens no continente, em 1503 foi aprovado um sistema de trabalho forçado que envolvia mão de obra das populações nativas para trabalhar nas minas ou nos campos, onde o governador do território distribuiria esses contingentes. Essa decisão contrariava a afirmação de 1500, onde as populações nativas eram consideradas “livres e não sujeitos à servidão” (Elliott, 1998, p. 151). A questão é que esta relação ocorreu em meio a sujeições forçadas, conforme comenta Las Casas:

“que aquellos indios del Perú es la gente más benívola que entre indios se ha visto, y allegada y amiga a los cristianos. Y vi que ellos daban a los españoles en abundancia oro y plata y piedras preciosas y todo cuanto les pedían que ellos tenían, y todo buen servicio. Y nunca los indios salieron de guerra, sino de paz, mientras no les dieron ocasión con los malos tratamientos y crueldades: antes los recebían con toda benivolencia y honor en los pueblos a los españoles, y dándoles comidas y cuantos esclavos y esclavas pedían para servicio.” (Las Casas, 2006, p. 135).

Essa questão levou a discussões durante muito tempo em relação ao assunto. Entre os debates mais destacados se encontram o de Bartolomé de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda. Basicamente, o debate entre os dois se fundamentava em quem deveria dirigir a missão, a coroa e os missionários pela passividade (Las Casas) ou os colonos (Sepúlveda).

As palavras de Las Casas são bem claras no que se refere à forma de tratamento dada pelos castelhanos em relação às populações locais:

“que los españoles recogieron mucho número de indios y los encerraron en tres casas grandes, cuantos en ellas cupieron, y pegáronles fuego y quemáronlos a todos sin hacer la menor cosa contra español ni dar la menor causa. Y acaeció allí que un clérigo que se llama Ocaña sacó un muchacho del fuego en que se quemaba, y vino allí otro español y tomóselo de las manos y lo echó en medio de las llamas, donde se hizo ceniza con los demás. (Las Casas, 2006, p. 136).

Devemos destacar também que a queda demográfica das populações nativas do território americano foi motivada não somente pelas questões bélicas, as quais são evidentes na leitura da obra de Las Casas, mas também por diversas outras questões, tais como, uma conquista espiritual, uma conquista migratória e uma conquista da terra e do trabalho (Elliott, 1998, p. 180-185).

“Hase de considerar aquí lo que este padre dice que vido, porque fue en cincuenta o cien leguas de tierra y ha nueve o diez años, porque era a los principios y había muy pocos, que al sonido del oro fueron cuatro y cinco mil españoles y se extendieron por muchos y grandes reinos y provincias más de quinientas y setecientas leguas, que las tienen todas asoladas, perpetrando las dichas obras y otras más fieras y crueles.” (Las Casas, 2006, p. 138).

Conclusão
Devemos destacar que a obra de Las Casas foi escrita no contexto da publicação das chamadas Leyes Nuevas de las Índias, as quais, por exemplo, estavam preocupadas com a condição dos “naturais” da terra por parte da Coroa de Castela, preocupada com a proteção das populações locais diante das relações com os castelhanos.

A obra de Bartolomé de Las Casas apresenta um cenário de antes e depois da presença castelhana no território inca, o qual se transformou no Vice Reino do Peru. Ademais, a obra de Las Casas também apresenta a forma pela qual a presença castelhana efetivou no território, ou seja, através da violência.

Observamos também a realidade da presença castelhana no território inca ao estabelecermos um aspecto comparado entre o antes e o depois da chegada dos castelhanos, ou seja, a existência de uma sociedade organizada de acordo com os seus aspectos culturais organizacionais e que foi gradativamente eliminada do seu território “natural”, uma vez que eram os naturais da terra.

Portanto, devemos observar a forma como Las Casas escreve sua obra, ou seja, realizando uma denúncia em relação aos acontecimentos ocorridos no território inca e que foram realizados pelos castelhanos com um objetivo principal:um contato violento com o objetivo de obter ouro.

Referências
Luciano José Vianna é Professor Adjunto de História Medieval da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) da Universidade de Pernambuco/campus Petrolina. Doutor em Cultures em contacte a La Mediterrània pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Membro do Institut d’Estudis Medievals (UAB-IEM). Coordenador do SpatioSerti – Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística (UPE/campus Petrolina).

Fonte
LAS CASAS, B. de. Brevísima relación de La destrucción de lãs Indias. Edición y notas José Miguel Martínez Torrejón. Prólogo y cronología Gustavo Adolfo ZuluagaHoyos. Antioquia: Editorial Universidad de Antioquia, 2006.

Bibliografia
BERNAND, C. e GRUZINSKI, S. Antes da Invasão. In: História do Novo Mundo. São Paulo: Edusp, 1997.

CARDOSO, C. F. S. América pré-colombiana. São Paulo: Brasiliense, 1992.

COLOMBI, B. La Brevísima relación de La destruición de Indias da fray Bartolomé de Las Casas en eje de las contoversias. Zama, n. 5, p. 91-102, 2013.

ELLIOTT, J. H. A conquista espanhola e a colonização da América. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial I. Trad. de Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, Brasília, D.F. Fundação Alexandre Gusmão, 1998, p. 135-194.

FERREIRA, J. L. Incas e Astecas: culturas pré-colombianas. São Paulo: Ática, 1988.



3 comentários:

  1. Professor Luciano, boa tarde!

    Participo que seu texto foi muito enriquecedor e gostaria de fazer um breve comentário e uma pergunta:

    O Frei Bartolomé de Las Casas via os índios como o povo suave, humilde e bom, mas os conquistadores e colonos espanhóis, eram vistos como tiranos, assassinos, ladrões e torturadores. Las Casas escreveu à Coroa e a sociedade espanhola denúncias sobre a grande mortalidade dos nativos, ele buscava despertar pavor e impactar os leitores europeus, a principal narrativa de Las Casas é a atribuição da mortalidade à ganância pelo ouro, contudo ressalto que a mortalidade e consequentemente a queda demográfica entre os índios após a conquista, tiveram como causa às epidemias, os deslocamentos dos índios e a exaustão provocada pelo trabalho forçado. Las Casas tinha a intenção de celebrar a glória de Deus e da sua Igreja, honrar a Espanha e defender os índios contra as injustiças.
    Podemos afirmar que Las Casas tinha uma visão utópica do Novo Mundo, em crer que o Continente Americano seria um novo começo para a Igreja e toda a cristandade, mas o que ele viu foi a crueldade na conquista territorial?

    Um forte abraço.

    Alexandre Leite Rosa

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    1. Olá Alexandre, obrigado pela pergunta.

      Não observei esta visão utópica de Las Casas, tentei compreender a obra do autor no contexto de composição da mesma, ou seja, em um momento no qual a Coroa de Castela publicava as chamdadas Leyes Nuevas de Índias, que em muitos aspectos protegiam as populações locais contra o comportamento europeu. Assim, sua obra faz sentido se observada justamente a partir deste contexto.

      Um forte abraço,
      Luciano José Vianna

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