DANÇAS INDÍGENAS E SUAS REPRESENTAÇÕES
SOCIOCULTURAIS
O presente artigo visa aprofundar o conhecimento sobre as danças indígenas
e suas representações socioculturais do Torém ou Toré nas comunidades indígenas do nordeste do país.
Assim, buscaremos compreender a diversidade da prática ritualística do
Torém/Toré nas comunidades indígenas com o sentido de preservar sua etnicidade
na representação da dança nas comunidades indígenas. O Torém ou Toré é uma
manifestação cultural que consiste especificamente de um ritual que apresenta
suas variações nas comunidades que o praticam. O ritual representa um elo com
os ancestrais ou iluminados cuja ligação envolve elementos considerados
sagrados para comunidades nativas, podendo ser realizado para comemorações e
agradecimentos. As variações da prática se caracterizam pela pluralidade
cultural dos rituais indígenas no Norte e Nordeste do país, há comunidades que manifestam como ritual religioso
em outras
como ritual de agradecimento. pela boa colheita e conquista da terra. Desse modo, o Torém/Toré nas comunidades de
Xukuru, Tremembé e Tapeba é praticado dentro de suas particularidades e sentidos diversos. Na comunidade de
Xukuru é praticado como símbolo de luta pela terra, já nas comunidades de
Tapeba e Tremembé como agradecimento e pedidos de proteção. Nos rituais
sagrados dos Tapeba usam uma bebida extraída da casca da jurema: jurema.
Já os Tremembé é da fermentação do caju o: mocorocó.
Nos rituais, as
bebidas são
usadas para fazer a ligação com seus antepassados. A prática do Torém ou Toré
nas comunidades nativas apresentam suas particularidades, mas, buscam de forma
geral a identificação sociocultural e preservação de suas identidades, seja
como prática de resistência, agradecimento ou divertimento.
Introdução
As representações culturais dos nativos
(indígenas) são diversas e expressam com
entusiasmo e satisfação práticas socioculturais nos grupos indígenas do Norte e
Nordeste do país. No sentido de aprofundar os conhecimentos sobre o
Torém/Toré uma dança ritualística praticado nas comunidades indígenas pelo
Brasil, buscaremos
maiores esclarecimentos sobre a prática nas aldeias indígenas, especialmente no
Nordeste brasileiro.
Procuraremos entender o diferencial
destes rituais nas povoações indígenas e da difusão da dança do Toré ou Torém
nas comunidades indígenas Xukuru, Tapeba e Tremembé. É importante lembrar que
cada um desses grupos estabeleceu um regime próprio nos rituais imersos
em espiritualidade, sendo uma dança de origem nativa, o Torém ou Toré está
sempre ligado a um acontecimento importante para a aldeia.
No Nordeste, o Torém ou Toré muitas
vezes se destaca nos seus rituais pelo uso da jurema e do mocorocó,
bebidas extraídas
da essência da jurema e do caju, mas, também como sinal
de fortalecimento e apoio nas adversidades nas comunidades indígenas.
Cada povo celebra o Tórem ou Toré com um diferencial. Por vezes identificado
como prática dos povos indígenas ou por relações com o social e politico
constituída a partir da etnicidade das comunidades ou aldeias.
Para Maria
Amélia Leite, secretária geral da Associação Missão Tremembé, centro de
pesquisa acerca de etnias indígenas do Ceará e de outros estados brasileiros,
com o intuito de expandir o conhecimento sobre as diferenças da dança do Torém
ou Toré, ela explica que foram sendo aperfeiçoadas nas comunidades. As etnias foram
se identificando com a dança e rituais e aprimorados em suas comunidades. Ainda
convém destacar a manifestação com suas multiplicidades nas apresentações para
o publico e o do interior de cada aldeia.
Torém
ou Toré
É uma pratica indígena que consiste em
realizar uma dança de passos marcados, pisada forte e o soar de instrumentos
musicais usados especificamente para esse tipo de ritual, com variantes a cada
aldeia onde o praticam. Nesse ritual há o encontro com os espíritos de seus antepassados ou
iluminados. De acordo Grünewald ( 2005, p. 14), “Em tais esferas, o Toré muitas
vezes se destaca nas narrativas etnográficas em sua ligação com bebida jurema
[...] que favorece sua visibilidade enquanto ritual indígena em cujo espaço se
desenvolve as práticas sagradas”. E isso nos permite pensar o quanto à prática
do ritual é diversificado. O Torém ou
Toré praticado nas comunidades indígenas apresentam suas variações. De acordo
com as leituras percebemos que dependendo do grupo indígena, apresentam elementos
demarcadores da indianidade, processo de conquista de demarcação de terras,
comemoração e agradecimento, tornando-se um difusor de culturas.
Ainda de acordo com
Machado (2009) o Toré é um ritual que expressa alegria nas comunidades que
praticam o Toré, apresentando diferentes aspectos como em festas religiosas,
louvação aos encantados ou iluminados, recepção a personalidades ilustres na
aldeia, confraternização, batizados e outros. De forma que mantem viva a expressão
sociocultural da tribo.
O Torém/Toré por vezes também é
classificado com
caráter religioso, atendendo aos costumes da aldeia e ainda é comprovação da
etnicidade. Classificado como um ritual de caráter religioso atende aos
costumes e culturas da aldeia, sendo bastante variável, mas propicio as crenças
indígenas com sentidos múltiplos nas comunidades indígenas do Nordeste
brasileiro.
As variações dessa prática se
caracterizam pela a pluralidade cultural dos rituais indígenas nas aldeias
brasileiras. A multiplicidade da dança do Torém/Toré também nos faz questionar: Seria o Torém/Toré um ritual
majoritariamente religioso? De acordo com Grünewald (2005, p.23)“Entretanto, a
ideia aqui não é diminuir o peso da especificidade indígena quanto as suas tradições,
mas apontar para a possibilidade de o Toré não ser tão proeminentemente
religioso”. Assim, nos faz entender
sobre os múltiplos sentidos do Toré, que estando inserido no contexto religioso
das comunidades indígenas não se caracteriza
como uma prática unicamente religiosa. Daí a multiplicidade da dança.
Os povos indígenas têm nestes rituais
motivos distintos para reverenciar seus encantados ou antepassados, presente
segundo eles, nas celebrações do Toré. A presença dos encantados nas
celebrações é recorrente desta prática. Para Grünewald ( 2005, p.24), “ Os
regimes de índios criados em torno dos Torés são próprios a cada um dos grupos
e carregam sentidos intrínsecos, exclusivos alguns compartilhados outros”. Desde modo, caracterizam-se as especificidades de
cada tribo, acentuando o pluralismo cultural de rituais e magia de cada.
Nas comunidades indígenas onde é
celebrado o Torém/Toré há vários
conceitos destes rituais. Entre as múltiplas modalidades da dança existe ainda
a de sentido associado ao feitiço, e demais formas de contextualizá-lo no campo
do sincretismo religioso, advindo dos cultos afro-brasileiros. A prática do
Torém ou Toré ainda requer a identidade do indígena para seguir viva na memoria
e história das populações indígenas.
Torém/Toré
nas comunidades indígenas
O ritual do Toré para os índios Xukuru,
em Pesqueira Pernambuco, tem um significado distinto, pois representa a luta
pela terra. De acordo com Neves ( 2005, p.132), “ O ritual no formato do toré,
também exerce o papel que a luta pela terra desempenha”. A luta desses povos
pelas demarcações de terras e reconhecimento como povos indígenas. Neste mesmo
contexto de lutas por reconhecimento de terras indígenas e assimilação da
cultura, percebemos a semelhança com os povos Tapeba da Caucaia, no Ceará.
Já entre os povos Tapeba a dança do
Toré é feita em torno da jurema, arvore típica da região. “Considerada uma
arvore sagrada entre os Tapeba. Porque acredita-se que onde existe um pé de
jurema existe um portal para outra
dimensão”. Para realizar o ritual organiza-se um circulo ao redor da mesma e
bebe-se uma a bebida do mesmo nome. Esta
é produzida da raiz da jurema, ou seja,
da entrecasca da raiz da planta.
Para dançar o toré precisa-se consumir a bebida. Segundo os povos tapeba a bebida serve para
manter a energia e continuarem com o ritual, que segue em cânticos específicos
dando voltas ao redor da jurema segundo a tradição dos povos Tapeba. Ao iniciar o ritual, quem comanda ainda
utiliza de um cachimbo que contém ervas que o deixar mais enérgico para dançar
o toré. Para os Tabepa a área onde se localiza a pé da jurema é solo sagrado e o local onde os espíritos se reúnem quando
se dança o toré.
Mas, vale ressaltar que existem uma
outra relação na prática do toré na comunidade Tapeba, pois há variações em
relação à prática do toré na tribo Tapeba o ritual ainda pode ser politico e
também um ritual de cura. E, o toré dançado para o publico não é o mesmo dançado
no interior da aldeia. E, ainda representa o momento da conquista no caso dos
Tapeba à conquista da demarcação de terras.
A forma diferenciada da dança do toré
com passos marcados, pisada forte e o soar dos instrumentos musicais usados durante os rituais revelam o
diferencial da dança do toré. Segundo Neves ( 2005, p. 133), “ O toré de Xukuru
é dançado em fila indiana formando em círculo. Um pequeno grupo de seis homens
coloca-se na frente do circulo espiralado”.
Na particularidade e circularidade sociocultural da tribo existe a multiplicidade
da prática do toré. Através dessas
apresentações e variações dos povos com significados precisos e com práticas
múltiplas em cada tribo. O toré dos Xukuru é dançado dentro da igreja ou nas
calçadas das igrejas em épocas dos festejos do padroeiro. Com variante nas
apresentações, mas, com significados amplos para cada povo.
Já
os povos indígenas da comunidade Tremembé em Almofala, Itarema no Ceará, a
dança sagrada é formalmente conhecida e praticada como Torém. No momento do
ritual do torém o mestre exalta a vinda dos seus antepassados e o encontro com
o mesmo. Pode se chagar ao transe, por prevalecer à figura dos ancestrais. Para dançar o torém toma-se o mocorocó em intervalo de tempo para
avivar mais a vontade de dançar dos torenzeiros. No período da safra do caju os
índios Tremembé fazem uma comemoração dançando o ritual do Torém, para
celebrarem a estação do caju. E, consequentemente, utilizam do mesmo para fazerem a bebida típica da comunidade
indígena o mocorocó, fermentando-o
com a base de vinho e cachaça. E assim dançam e cantam fazendo reverencia aos
ancestrais e concretizando a identidade e cultura da comunidade.
Para
Valle ( 2005, p. 204), “Em Almofala, sobretudo, o que mais se destacava era a
aproximação dos próprios torenzeiros aos índios
velhos, o que gerava a associação simbólica na continuidade dos índios, velhos e novos. A
forma de avivar da cultura ainda é discutida entre os mais velhos da comunidade”. Com isso, a multiplicidade na
dança do torém tem o suas especificidades. Em Almofala estes fazem
apresentações em publico transmitindo a
cultura dos seus antepassados em eventos nas proximidades.
Vale ressaltar, que a multiplicidade da
dança, em Almofala é tratado como um divertimento. De acordo com Valle (2005,
p. 227) “Descrita como “divertimento” era realizado por homens e mulheres que
dançavam numa roda liderado por um mestre, ao som de instrumentos. O iguaré é
uma flauta chamada torém”. Podemos perceber que a dança do Torém para os
Tremembé também é encarado como um entretenimento, para festejarem algum
acontecimento importante para eles.
Em Almofala o Torém também praticado
como forma de identificar os índios mais
velhos, detentores da dança do torém na comunidade. Para Valle ( 2005,
p. 241), “A performance do torém era uma encarnação e, como tal devia produzir
certos efeitos dramáticos.” A indianidade é apresentado através da dança do
Torém como forma de não deixarem perderem sua cultura e as práticas da dança na
aldeia.
Considerações
finais
Em virtude do que foi estudado sobre as
representações de danças indígenas, percebemos que cada tribo que praticam a
dança do Torém/Toré apresentam suas particularidades quanto ao ritual. As
comunidades indígenas têm múltiplos sentidos, as performances da dança, ou como
ritual religioso ou como representação de conquistas e agradecimento.
Percebemos que existe um diferencial
para cada aldeia nos rituais de danças e representatividade quanto à etnicidade
de cada comunidade. As danças podem ainda representar um encontro com os
espíritos de seus ancestrais, ritual de cura, apresentações em publico para
reforçar a indianidade das aldeias e de agradecimento as conquistas da retomada
de terras. A dança do Torém/Toré é ritual
que dependendo da comunidade é dançado com
o intuito religioso e por vezes para mostrar a identidade dos povos
indígenas.
Com base nas leituras podemos observar
que a dança do Torém/Toré nas comunidades indígenas, apresentam sentidos
múltiplos e reforçam o sentido da indianidade das comunidades que buscam manter
viva a dança ou ritual com sua multipluraridade nas representações
socioculturais das comunidades nativas.
Referências
Gláucia
Maria Rodrigues do Nascimento é Graduada em História pelo Instituto de Estudos
e Pesquisas do Vale do Acaraú-IVA e Especialista em Ensino de História do Ceará pela
Universidade Estadual do Vale do Acaraú – UVA.
Maria
do Carmo Rodrigues do Nascimento, graduanda em História pela Universidade
Estadual do Vale do Acaráu-UVA.
DIÁRIO DO NORDESTE. Danças encantadas
in http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/verso/dancas-encantadas-1.1168019.html,
2019.
GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo (org.). Torém/Toré:
regime encantado do índio do Nordeste. Recife: Fundaj. Editora Massangana.
2005.
MACHADO, Regina Coeli
Vieira. Índios do
Brasil in http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar.html,
2018.
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano do. Compreendendo
a dança do torém:
Visões de folclore, ritual e tradição entre os
Tremembé do Ceará.
Revista Anthropológicas, n.2, 2005. Disponível
em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle.
TRIBUNA DO CEARÁ. Índios do ceará in https://www.youtube.com,
2016.
Não pude deixar de perceber semelhanças entre as práticas do Torém/Toré com o Catimbó, justamente por esse caráter sincrético descrito no texto, o uso da Jurema em determinada região e as próprias relações atribuídas ao ritual. Sobre isso, gostaria de saber se realmente há e quais as aproximações dessas práticas com o Catimbó; e como esses diferentes grupos que praticam o Torém/Toré se relacionam entre si, ou seja, se há uma relação harmônica ou de conflito, justamente por ser um elemento de representação identitária atrelado à posse de terras.
ResponderExcluirBruno Tomazela Pasquali
Bruno Pasquali.
ExcluirA dança do Torém/Toré também é classificado como um ritual de caráter religioso que atende aos costumes e culturas da comunidade nativa que o praticam, sendo bastante variável, que de certa forma não deixa de ter a ligação com xamanismo de outras comunidades nativas, onde existe rituais de catimbó. E, é perceptível a multiplicidade entre o Torém e Toré. A especificidade da dança, depende da comunidade e ainda é associado ao sentido de feitiço, e demais formas de contextualizá-lo no campo do sincretismo e hibridização de culturas. A relação é de harmonia, vista no contexto de confraternização e agradecimentos, comemorações de conquistas de forma que mantém viva a expressão sociocultural de cada comunidade.
Att, Gláucia Maria Rodrigues do Nascimento.
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ResponderExcluirQuem executa a dança Toré, as mulheres podem participar? Existe uma data especifica que ela é dançada? Marina Fares Ferreira
ResponderExcluirOs povos Tapeba. Sim as mulheres participam do ritual e muitas vezes as mulheres são as representantes da tribo. Representam uma comemoração, no caso a conquistas de terras, pois sofrem sérios problemas de demarcação, o ritual ainda pode ser politico e também um ritual de cura.
ExcluirOlá, Boa tarde, Parabéns pela pesquisa!
ResponderExcluirHá muito tempo se pensou que o Toré/Torém, aqui no Ceará, era uma prática descaracterizada, assim como dos outros povos do Nordeste. Acreditava-se, no século XIX ao início do XX, assim como uma hora ou outra encontramos aqui no Brasil, discursos de que não se tem/tinha mais indígenas reafirmando suas culturas. Enfim, assim como muito bem demonstrado por vocês, cada povo incorpora significados a suas sociabilidades, dependendo, também, de suas caracterizações e contatos interétnicos provados pelo grupo. Obrigado pela reflexão! Também indico um texto muito bom de João Pacheco de Oliveira (Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais*) além de pensar sobre o Toré/Torém, traz reflexões sobre os processos de territorialização no Nordeste dentro destas questões. Abraços!!
Link:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131998000100003
Paulo Ênio de Sousa Melo.
Muito obrigada Paulo, pelo tempo dedicado a leitura do nosso trabalho e por suas reflexões e pela indicação, procuraremos ter acesso ao texto para nos aprofundarmos mais.
ExcluirAbraços!
As danças indígenas estão certamente presentes e fazem parte de um conjunto de elementos que caracterizam um determinado povo indígena e que segundo o texto em uma comunidade indígena para outra, existem certas semelhanças. Maria do Carmo Rodrigues do Nascimento, os rituais passaram por muitas interferências exteriores?
ResponderExcluirAlan de Farias Lima
Boa Noite, Alan.
ResponderExcluirÉ perceptível que os rituais dos nativos são uma celebração que representam a etnicidade, uma identidade. Nas comunidades nativas apresentam suas particularidades, mas, buscam de forma geral a identificação sociocultural e preservação identitária da comunidade.
Att,
Gláucia Maria Rodrigues do Nascimento.