O USO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
NO ENSINO DE HISTÓRIA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS
“Oh lá, a mulher do cabelo de vassoura de bruxa!”
A
epígrafe que abre este texto refere-se a um comentário feito por um apresentador
da TV aberta sobre Arielle Macedo, mulher, negra,
bailarina, com cabelos naturalmente crespos. O fato ocorreu no mês de
abril 2014, em rede nacional, no horário nobre de um domingo, quando o
apresentador entrevistava no palco uma cantora de funk. Durante a entrevista foi exibido um vídeo de Arielle,
uma das bailarinas que acompanham a cantora em viagens, shows e demais apresentações, no qual ela fazia uma declaração
sobre o convívio com esta cantora. Após o vídeo
todos riram e o apresentador então declara: “Oh lá, a mulher
do cabelo vassoura de bruxa”.
É
preciso ressaltar que atualmente o cabelo afro é tomado
como um ato político e de autoafirmação. Assim, o caso repercutiu
imediatamente nas mídias sociais de diversas formas e com opiniões diferentes. Por
um lado o apresentador foi questionado por movimentos
negros, organizações que debatem a discriminação racial no Brasil e por blogs
e redes sociais que tratam da valorização da beleza da mulher negra (essa repercussão pode ser pesquisada na internet. Esse caso também foi
discutido pela professora
Rosangela Souza da Silva, no artigo: A Imagem que Incomoda: Identidade Negra,
Educação e Espaços Sociais, que faz parte do livro: Descolonização do
conhecimento no contexto Afro-brasileiro). Por outro lado muitos saíram em defesa do apresentador,
destacando que não havia por parte dele nenhum preconceito, discriminação ou
racismo. Alguns destacaram a repercussão como um exagero, mimimi e gritaria sem sentido. No domingo seguinte o apresentador comentou a polêmica, dizendo que tudo não passou de
uma brincadeira, declarando que: “Brinquei falando que o cabelo era
estilo ‘vassoura de bruxa’ porque era um cabelão vermelho”. Destacou também que
metade de sua equipe é formada por negros\as, pessoas com dez,
vinte anos de casa; que em 30 anos de trabalho a frente das câmeras sempre falou
que competência, caráter e talento não têm nada a ver com a cor da pele,
orientação sexual, opção religiosa ou partido político.
Bem, a intenção aqui não é colocar o apresentador na barra
dos tribunais, atacá-lo, tampouco defendê-lo. Interessa-nos utilizar esse caso,
um dentre vários que
encontramos nas mídias, para refletir um pouco sobre como
uma marca da identidade negra, neste caso, o cabelo crespo, se torna objeto de piada,
de negação dos valores culturais de sujeitos que compõe a nação brasileira. O cabelo crespo é visto como ruim, feio, fora dos padrões de beleza da
nossa sociedade. É muito comum ainda ler ou ouvir associações do
cabelo enrolado à lã de aço Bombril, palha de aço, etc., feitas, muitas vezes, dentro de um contexto cordial, bem humorado. Assim,
tomamos o cabelo de Arille Macedo como a ponta de um iceberg, que revela um problema histórico
no Brasil, o da exclusão dos negros\as e afro-brasileiros.
Nos últimos anos vem se desenvolvendo instrumentos legais
como forma de criar uma educação antirracista nas escolas e fora delas, a
criação de politicas afirmativas, propostas de
reparação, bem como ações e debates de organizações em prol da superação do
racismo. As Universidades e as escolas estão procurando formas de contribuir
para uma transformação social, trabalhando em pesquisas e na formação de professores\as
para tratar da temática africana e afro-brasileira em sala de aula, mediante novos
olhares e novas ênfases na pesquisa, na teorização e nas propostas de
intervenção no nosso sistema educacional... e
nada disso é mimimi
de internet, tampouco gritaria sem sentido!
É preciso ter consciência dos impactos negativos que essas
representações, apelidos depreciativos e piadas causam
nas pessoas, sejam elas adultas, adolescentes, pré-adolescentes ou crianças. Quem é
professor\a sabe muito bem dos desafios de educar cidadãos, “tornando-os
capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos,
respeito aos direitos legais e valorização de identidades, na busca da
consolidação da democracia” (DCN, 2004,
p. 31). Assim, quem tem um microfone e uma câmera, que entra na casa das
pessoas em horário nobre, poderia muito contribuir nesse sentido mediante novas
posturas.
Assim, estas páginas procuram problematizar essas representações
negativas e apontar possíveis caminhos, dentro da aula de História, no sentido
de tentar combatê-las, promovendo:
a) o fortalecimento de identidades e direitos; b) o respeito à diversidade, abrindo espaço para a inclusão e a
cidadania; c) a discussão dos valores civilizatórios
da cultura afro-brasileira, assim com a contribuição dos povos negros na
construção social e cultural do Brasil. Entende-se que com essas posturas
dentro da sala de aula estaremos contribuindo para a
compreensão de que o Brasil é formado por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem
culturas e história próprias e que todos, em conjunto, formam a nação
brasileira, contrapondo-se
a um pensamento único e eurocêntrico.
Para
isso, como não dispomos de muito tempo e espaço, optamos por um recorte bem específico,
pensando de forma interdisciplinar, a
literatura afro-brasileira na perspectiva da educação das relações
étnico-raciais. Utiliza-se o conteúdo da Lei 10.639\03 e, principalmente, os
dispositivos do Parecer do CNE/CP 03/2004, que aprova as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Inicialmente o leitor
terá acesso a uma pequena explanação sobre a literatura e ensino de História.
Em seguida, a discussão recai sobre a literatura afro-brasileira no ensino de
História na perspectiva da educação das relações étnico-raciais. Fazem-se,
nesse momento, considerações sobre vida e obra de escritores\as afrodescendentes,
que escreveram sobre temas atinentes à afrodescendência, que militaram contra a
abolição ou que discutiram a discriminação racial no século XIX, a saber: a
escritora Maria Firmina dos Reis e o poeta João da Cruz e Souza.
A História, a Literatura e o Ensino
de História
Segundo
Anália de Jesus Moreira
(2017) a Lei 10.639/03, promulgada em 09 de
janeiro de 2003, alterou a LDBEN nº 9394/96, os Parâmetros Curriculares
Nacionais e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o país. A
Lei destaca a necessidade de ações direcionadas para uma educação inclusiva,
pluricultural e pluriétnica, para a construção da cidadania por meio da
valorização da identidade étnico-racial, principalmente de negros e
afrodescendentes (e indígenas). Nesse sentido, a literatura pode ser tomada
como um canal especial para promover a valorização da identidade étnico-racial
de matriz africana na sala de aula.
Isso porque nos últimos
anos vem se discutindo muito sobre a literatura como fonte documental para a reflexão e construção do conhecimento
histórico. A partir dos estudos do historiador francês Roger Chartier, por exemplo, referência no
estudo da história dos livros, publicação e leitura, dentro da perspectiva da
História Cultural, é possível historicizar a obra literária e assumi-la como
uma evidência histórica. Vê-se a abertura dos campos de pesquisa para a
utilização de novas fontes e objetos, entre as quais se encontra o texto
literário. Esse assunto é discutido pela historiadora Sandra
Jatay Pesavento (2006), para a qual Clío se aproxima de Calíope, sem com ela se confundir. Isso
quer dizer que História e Literatura correspondem a narrativas explicativas do
real, que se renovam no tempo e no espaço, dotadas de um traço de permanência
ancestral, a saber: “os homens, que desde sempre, expressaram pela linguagem o
mundo do visto e do não visto” (PESAVENTO, 2006, p. 11).
De acordo com essas considerações história e literatura são narrativas que têm o
real como referente, representações que se referem à vida e que a explicam. Assim, os textos literários são materiais que
possibilitam múltiplas leituras devido à sua riqueza de significados para a
compreensão do universo cultural, dos valores sociais e das experiências
subjetivas dos sujeitos no tempo. Podemos dizer que a literatura assume um
papel importante dentro da História, a de uma significativa fonte de análise
das diferentes visões de mundo que os homens e mulheres apresentam em cada
tempo e espaço. Quando o historiador opta pela literatura como evidência na
construção do conhecimento histórico lhe interessa, por exemplo: a autoria da
obra, no que diz respeito a sua biografia, formação, expectativas,
relacionamentos, a época em que a obra foi escrita, qual o seu contexto
histórico, seu público leitor, a concepção de passado formulada no tempo dessa
escrita, as experiências, etc.
Assim, se a literatura é cada vez mais utilizada como objeto de reflexão entre os historiadores, ela também pode (e deve) ser incorporada ao ensino de História. Até porque, como diria Paulo Freire (1996), não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino, pois faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Nesse sentido, a literatura pode ser entendida como um meio de acessar uma realidade passada a partir do seu autor e da contextualização de sua obra em sala de aula, promovendo a ampliação dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira (BRASIL, Parecer CNE/CP 03/2004).
Assim, se a literatura é cada vez mais utilizada como objeto de reflexão entre os historiadores, ela também pode (e deve) ser incorporada ao ensino de História. Até porque, como diria Paulo Freire (1996), não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino, pois faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Nesse sentido, a literatura pode ser entendida como um meio de acessar uma realidade passada a partir do seu autor e da contextualização de sua obra em sala de aula, promovendo a ampliação dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira (BRASIL, Parecer CNE/CP 03/2004).
O
Parecer CNE/CP 03/2004 determina que o “ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais (...) se
desenvolverão no cotidiano das
escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de
disciplinas, particularmente, Educação Artística, Literatura e História do
Brasil, sem prejuízo das
demais (...)”. Assim, entendemos
que o ensino de História pode ter resultados positivos dialogando com outras as
outras áreas do conhecimento também incumbidas da educação
para as relações étnico-raciais.
Nessa perspectiva, defendemos a prática interdisciplinar, ou seja, que o ensino de História pode muito se
beneficiar dialogando, por exemplo, com a Literatura e, mais especificamente,
com a literatura afro-brasileira.
Literatura Afro-Brasileira no ensino
de História na perspectiva da educação das relações étnico-raciais
Inicialmente,
é preciso pontuar ao leitor\a que falamos em “literatura afro-brasileira”
consciente do fato de que há toda uma discussão voltada aos sentidos contidos
nessa e em outras expressões. Trata-se, portanto, de um conceito que está em
construção. Maria Nazareth Fonseca (2006 p. 13) explica que mesmo entre os
escritores\as que se assumem como negros\as, alguns deles muito sensíveis à
exclusão dos descendentes de escravos na sociedade brasileira, “existe
resistência quanto ao uso de expressões como escritor negro, literatura negra
ou literatura afro-brasileira”. Para esses escritores\as expressões como essas,
que são particularizadoras, “acabam por rotular e aprisionar a sua produção
literária”.
Outros,
ao contrário, “consideram que essas expressões permitem destacar sentidos
ocultados pela generalização do termo literatura”. E tais sentidos “dizem
respeito aos valores de um segmento social que luta contra a exclusão imposta
pela sociedade” (FONSECA, 2006, p. 13). É claro que esse debate é realizado no
campo dos teóricos da literatura e não da História. Mas, de forma muito humilde,
prefiro utilizar o termo literatura afro-brasileira, por entender que no atual
contexto essa particularização é necessária, uma vez que alinhada a uma
política de afirmação e resistência.
Ao
pensar sobre literatura afro-brasileira nos deparamos com Eduardo de Assis
Duarte (2008, p. 11), o qual explica que a produção literária de autoria
afrodescendente no Brasil “não só existe como se faz presente nos tempos e
espaços históricos de nossa constituição enquanto povo”. Mais que isso,
trata-se de uma literatura múltipla e diversa, “realizada tanto nos grandes
centros, com dezenas de poetas e ficcionistas, quanto se espraia pelas
literaturas regionais”. Ela pode ser encontrada no Brasil desde, pelo menos, o
século XVIII, na figura do poeta Domingos Caldas Barbosa (filho de um português e de uma escrava); Luiz Gama (filho de uma africana livre vinda da Costa da Mina e de um fidalgo
português que vivia em Salvador); José Carlos do Patrocínio (filho de uma escrava liberta, quitandeira, e do cônego
José Carlos Monteiro), bem como a escritora Maria Firmina dos Reis e o
poeta João da Cruz e Souza, objeto destas páginas.
Entretanto,
essa literatura corresponde de uma produção que teve sua divulgação dificultada
por inúmeras questões como, por exemplo, o branqueamento de escritores negros
ou mulatos, como foi o caso Machado de Assis, filho de um pintor negro e de uma
lavadeira de origem portuguesa. Podemos destacar também as dificuldades de
editoração desses materiais. Muitos foram produções independentes, custeadas
pelo autor ou por um grupo de autores. Duarte (2008) destaca a literatura
afro-brasileira como uma literatura silenciosa, que por muito tempo esteve
ausente dos espaços literários legitimados. Pode-se dizer que o isolamento marcou a vida e a obra de inúmeros escritores
e escritoras afrodescendentes no século XVIII, XIX e também boa parte do século
XX.
Vejamos
o caso da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, mulher, afrodescendente,
nascida na primeira metade do século XIX. Maria Firmina é considerada a primeira romancista brasileira, sendo de
sua autoria o romance “Úrsula”, um romance abolicionista, publicado em 1859, em
plena escravidão, quando Castro Alves (1847-1871), considerado o poeta dos
escravos, ainda era uma criança. Em 1887, no auge da campanha
abolicionista, a escritora publicou também o livro “A Escrava”, reforçando sua
postura antiescravista, além de escrever para a imprensa maranhense.
A
vida de Maria Firmina dos Reis e o romance “Úrsula”, quando apresentados e
discutidos em sala de aula, na perspectiva da educação das relações
étnico-raciais e dos direitos humanos, da valorização da identidade, permite
refletir, por exemplo, sobre os meandros da escravidão e como a desigualdade racial e
social se processou no Brasil a partir de uma perspectiva interna. Além disso,
Maria Firmina crítica o processo escravagista, denuncia a situação do negro\a
no século XIX, falando de um Brasil que não deveria ser mostrado. Ainda, Maria
Firmina dos Reis apresenta o\a negro\a na condição de sujeito de ação, um
sujeito histórico, ganhando
destaque e passando a assumir papel fundamental na trama do livro. Segundo
considerações de Rafael Zin (2016, p. 52) os personagens Túlio, Susana e Antero,
por exemplo, se destacam no plano constitutivo do romance, uma vez que “suas
vozes aparecem em dissonância com os discursos histórico e literário
tradicionais”, ou seja, “não apenas como vozes de escravizados que aceitam a
subordinação ao poder estabelecido, mas, pelo contrário, fazendo a crítica do
processo escravagista”.
Isso tudo vem de encontro aos preceitos das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, quando destaca a importância de “divulgar
e respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos
escravizados no Brasil (...)”(BRASIL, Parecer CNE/CP 03/2004). Portanto, abordar o romance Úrsula numa
perspectiva histórica, sem deixar de lado a sua autoria e o contexto de
produção, é uma forma de proporcionar aos alunos\as o contato com atuações
políticas, manifestações contra a escravidão, nesse caso, através das letras.
Ademais, o romance Úrsula e Maria Firmina dos Reis permite
refletir também sobre a condição da mulher, sobretudo, da mulher
afro-brasileira no Brasil do século XIX. Segundo Rafael Zin (2016) Maria
Firmina dos Reis viveu em uma sociedade ancorada no patriarcado, na
estratificado entre homens e mulheres, brancos e negros, pobres e ricos. Portanto,
trata-se de uma mulher que fez parte de uma parcela da população que ficava à
margem das decisões, subordinada aos mandos do pai, marido ou de seus senhores.
Entretanto, mesmo nesse contexto, adverso e cruel às mulheres, mesmo se
utilizando de um pseudônimo, a maranhense, para publicar suas obras, Maria
Firmina dos Reis rompeu com a cadeia de exclusão das mulheres da literatura,
legitimado como um espaço masculino. Trata-se de uma mulher, afro-brasileira,
pobre, a margem da sociedade, que não deixou de se expressar e hoje é
considerada a primeira romancista brasileira.
Outro exemplo que pode ser apontado é o poeta João da Cruz e
Souza (1861-1898), considerado a maior referência da chamada escola simbolista
brasileira, estética literária que se opõe à objetividade parnasiana, e que
sofreu discriminação
racial no decorrer da vida pessoal e poética. Acompanhando
um pouco a trajetória desse poeta observamos que ele nasceu em Nossa Senhora do
Desterro, atual Florianópolis, capital da então Província de Santa Catarina. Essa
informação precisa ser contextualizada, pois estamos falando de um sujeito que
nasceu e cresceu em uma província do sul do
Brasil, a qual passou por um processo de colonização com levas de imigrantes
europeus.
Segundo
considerações de José Righi (2006, p. 23) o menino
nasceu João da Cruz (1861-1898),
filho de “Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, escravo na fazenda do Cel.
Guilherme Xavier de Souza”. Sua mãe era “Eva Conceição, lavadeira, alforriada
por ocasião do casamento com o mestre-pedreiro”. O menino foi levado para o convívio da
Casa Grande, devido ao fato de o casal não ter tido filhos, recebendo o
sobrenome do Marechal, como de costume na sociedade escravocrata e paternalista
da época.
Em Santa Catarina, enquanto seus pais continuaram vivendo no
“porão da casa senhorial”, Cruz e Souza recebeu uma educação de boa qualidade
no Ateneu Provincial Catarinense, aprendendo humanidades, inglês, francês,
latim e grego. Cruz e Souza trabalhou
como escritor no jornal abolicionista Tribuna Popular, além de ter sido seu
diretor, considerado uma notável folha catarinense
do período. Foi proibido de assumir o posto de
promotor público em Laguna\SC, em 1884, devido
à pressão de políticos locais que não aceitaram um negro ocupando a
função (RIGHI, 2006). A título de contexto, em 2017, ocorreu um ato na cidade
de Laguna, marcando o início da
Semana de Consciência Negra, celebrando a criação de uma lei estadual, por
intermédio do Movimento Negro de Laguna, reconhecendo simbolicamente João da
Cruz e Souza como promotor público, direito que lhe foi negado devido à cor da
sua pele. Em 1885, fundou e dirigiu o jornal O Moleque, um jornal ilustrado com um viés crítico.
Estamos falando de um sujeito viveu pouco, apenas 37 anos,
pois foi cedo acometido pela tuberculose. Entretanto, suas experiências
ocorreram durante a segunda metade do século XIX, cujo contexto histórico é bastante
significativo. Dentre os fatos mais importantes
que marcaram período podemos destacar: a Guerra do Paraguai (1865-1867), o movimento
abolicionista, a promulgação da Lei Áurea (1888), a Proclamação da República
(1889), os debates da primeira constituinte republicana, a promulgação da
Constituição (1891), bem como o desenvolvimento da política de
branqueamento da população, através da imigração europeia para o Brasil e
o desenvolvimento de teorias racistas,
segundo as quais a “raça branca” era superior e, portanto, predestinada a
conduzir os povos à civilização. É nesse período que é publicado, por exemplo,
o famoso “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças”, de Arthur Gobineau (1855).
Portanto, é nesse contexto que o poeta João da Cruz e Souza produziu e sofreu
os revezes de ser um poeta negro em uma sociedade escravocrata. A condição de negro o conduziu a uma marginalidade social,
ora ostensiva, ora mascarada pela tolerância dos convívios inevitáveis.
Segundo
Emília Amaral (2005, p. 130) alguns críticos pontuaram que viam “o poeta negro
fechado em sua ‘torre de marfim’, obcecado pela cor branca e alheio às questões
que lhe diziam respeito diretamente”. Cruz e Souza, inclusive, mesmo depois de
morto, ainda é acusado de ser ou de querer ser branco. É claro que não podemos
desconsiderar que o poeta devia mesmo viver um conflito muito grande por ter
sido apadrinhado, vivido e estudado entre pessoas brancas, de estrato social
elevado, tendo uma vida escolar bastante satisfatória, e ao mesmo tempo, viver
em um contexto histórico muito hostil com o negro\as, sendo discriminado pela
sua cor. Mas, acusá-lo de se manter alheio aos problemas de seu tempo é um
grande equívoco.
Muitos
dos seus escritos estavam
pautados no tema do preconceito racial, utilizando-se
de uma linguagem dura, violenta e dantesca, já que possuía recursos
intelectuais para isso. Podemos citar, como textos abolicionistas, Dor negra,
do livro Evocações, de 1898, bem como Consciência Tranquila, do livro Outras
Evocações, considerado um dos mais violentos textos brasileiros sobre os
horrores da escravidão. No poema “O emparedado”, por exemplo, que encerra o livro
Evocações, Cruz e Souza
destacava que:
"Se caminhares para a direita baterás e
esbarrarás, ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável de
Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de
Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente
no espanto!" (CRUZ E SOUZA, 1995,
p. 673).
Segundo
considerações de Righi (2006) esse poema enfatiza as relações do poeta com sua
arte, do poeta com a sociedade e da sua obra com o contexto. A crítica é
unânime em reconhecer que “Emparedado” reflete o drama do artista negro que
ansiava por livrar-se dos grilhões que impediam sua ascensão social e a
divulgação de suas obras. O poema “Emparedado” pode ser entendido como um
documento que reflete a revolta pessoal, os conflitos internos e externos, bem
como sua trágica vida, marcada pela discriminação pela sua cor no apogeu da
influência das teorias racistas no Brasil e do processo de branqueamento da
população.
Por
que julgamos que todas essas considerações são importantes no âmbito do ensino
de História? Bem, elas são importantes pelo fato de que conhecer a trajetória
de vida de Cruz e Souza, sua obra, é uma forma de compreender
e ser “sensível ao sofrimento causado por tantas formas de
desqualificação” dos negros\as no Brasil. Além disso, também é uma forma de
destacar a atuação de negros e afrodescendentes em diferentes áreas do conhecimento,
de atuação
profissional, de criação tecnológica e artística (BRASIL,
Parecer CNE/CP 03/2004).
Algumas considerações
Para
fechar este texto, não essa discussão, podemos dizer que todas essas
considerações demostram a possibilidade de levar para a sala de aula sujeitos,
experiências e manifestações plurais, visando à construção de um conhecimento
mais alargado sobre a diversidade da construção histórica e cultural do nosso
país. A literatura de autoria afro-brasileira, no contexto do ensino de
História, pode ser entendida como uma importante ferramenta na formação dos indivíduos e transformação
social. Seu estudo permite ao aluno refletir sobre
as contribuições, valores, história e realidades relacionadas ao negro\a no
Brasil. Utilizar
a literatura de autora afrodescendente em sala de aula permite a construção do
senso crítico dos alunos\as, abrindo espaço para compreensão da diversidade,
promovendo a inclusão, a cidadania e posturas antirracistas. Ela contribui
para o resgate “da luta
dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinente à História do Brasil” (BRASIL, Lei
10.639\2003).
Entende-se
que a literatura afro-brasileira contribui no ensino de História com conteúdos
para além do samba, da capoeira e do acarajé como elementos que se referem à
cultura afro-brasileira. Não estamos, com essa afirmação, pontuando que essas
manifestações devem ser deixadas de lado pelo professor\a. Isso seria
desconsiderar manifestações importantes e a utilização da educação
patrimonial na sala de aula, do “aprendizado a partir do patrimônio cultural
afro-brasileiro, visando a preservá-lo e a difundi-lo”, como bem destacam as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, Parecer CNE/CP 03/2004).
O
Samba de Roda do Recôncavo Baiano (inscrito como patrimônio imaterial no Livro
de Registro das Formas de Expressão, em 2004), a Roda de Capoeira (inscrita no
mesmo Livro, em 2008) e o Ofício das Baianas do Acarajé (inscrito no Livro dos
Saberes em 2005), são exemplos de manifestações e saber-fazer de matriz
africana, que foram recriados no Brasil e que compõem a nação brasileira.
Tais discussões, no âmbito do ensino de História, vão de encontro ao “o
direito dos negros\as se
reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias,
manifestarem com autonomia,
individual e coletiva, seus pensamentos” (BRASIL, Parecer CNE/CP 03/2004).
Portanto,
não se trata de desconsiderar essas manifestações, visto que elas têm grande
potencial no que diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Étnico-Raciais. Entretanto, defendo, sim, a importância e a
necessidade de expandir na sala de aula o campo de atuação de sujeitos negro,
negras e afrodescendentes e suas experiências no tempo e no espaço. É
importante fazer referência a literatos afro-brasileiros, mulheres e homens,
como Maria Firmina dos Reis e João Cruz e Souza, bem como matemáticos,
cientistas, inventores, políticos e artistas. Assim, estamos oportunizando um
ensino capaz de combater as representações negativas relacionadas à população
negra, fazendo com que Arieles, Joanas, Pedros e Marias não tenham suas
características ridicularizadas, não sejam discriminadas, e sim, vistos como
parte da diversidade do nosso país. Além disso, oportuniza-se a “divulgação
e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidadãos orgulhosos
de seu pertencimento étnico-racial, como descendentes de africanos”
(BRASIL, Parecer CNE/CP
03/2004).
A
autora
Mestre
em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), com área de
concentração em História, Cultura e Identidades. Professora colaboradora no
curso de História da UNESPAR, campus de União da Vitória, no qual é responsável
pela disciplina de História e Cultura Afro-Brasileira.
Documentos
BRASIL,
Lei nº. 10639\03. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
providências. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.
BRASIL.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. In: Brasil.
Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de
Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
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poeta emparedado: tragédia social em Cruz e Sousa. Programa de Pós-Graduação em Literatura
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ZIN,
Rafael. Maria
Firmina dos Reis: a
trajetória intelectual de uma escritora afrodescendente no Brasil oitocentista.
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo, 2016. Dissertação de Mestrado.
Gostaria de parabenizar pela temática e também solicitar para pensarmos juntas: quais caminhos para introduzir a literatura dentro do contexto do ensino de História quando ainda somos cercados pela prática disciplinar? Como promover essa interdisciplinaridade? (Profª Adaiane Giovanni)
ResponderExcluirOlá Adaiane, obrigada pela leitura do texto e sua participação. Fico muito feliz em poder dialogar sobre a situação da educação brasileira, particularmente, sobre o ensino de História nesse contexto tão complicado em que vivemos. Vamos lá. Concordo com você. A maior parte das escolas brasileiras continuam estruturadas no sistema disciplinar tradicional. Mas, as discussões sobre interdisciplinaridade no Brasil avançaram bastante desde seus primórdios (anos 1960), quando o conceito chegou ao Brasil através do estudo da obra de Georges Gusdorf. Acredito muito nessa prática de interligação entre as diferentes áreas do conhecimento como um meio de facilitação do conhecimento histórico. Entendo que a História pode muito se beneficiar dialogando com outras disciplinas do currículo como, por exemplo, a Literatura. Ela é indiscutivelmente uma ferramenta poderosa na compreensão dos processos históricos. Entendo também que a interdisciplinaridade é um desafio. Na prática encontramos muitos problemas como, por exemplo, como destaca Silvio Gallo (2010), a formação estanque dos professores, ainda, no geral, muito fechada à sua própria disciplina, de forma muito isolada, o que precisa ser objeto de reflexão das universidades. As propostas de cunho interdisciplinar estão presentes na legislação educacional brasileira. Mas, algumas vezes de maneira não muito clara, o que cria entraves a sua reflexão\apropriação na escola. Podemos apontar alguns caminhos na para a superação desses problemas. Percebo que para aplicação de práticas interdisciplinares é necessário que ocorram mudanças didático-pedagógicas e também conceituais. Primeiro, é preciso entender que a interdisciplinaridade é uma ação, seguindo as considerações de Ivani Fazenda (2001). Isso quer dizer que o professor precisa ser “portador de uma atitude interdisciplinar”, ou seja, ele precisa ser interdisciplinar. Isso assusta? Com certeza. Ser interdisciplinar significa mudança de nossos hábitos, da rotina diária na escola, romper com estrutura hierárquica dos saberes, resolver conflitos, estar aberto ao diálogo... Essa prática pode ocorrer, mediante parceria e diálogo, pela integração de conceitos, métodos, objetos (mediante um coordenador) e também como uma simples comunicação de ideias entre os professores, o que implica aproximar-se dos colegas de trabalho, ouvir o outro, buscando familiarizar-se com a diversidade de saberes. Defendo que a interdisciplinaridade só trará resultados positivos quando realizada em equipe, concentrada na busca por eixos articuladores entre as disciplinas do currículo. É importante destacar que nessa concepção de interdisciplinaridade as disciplinas não perdem suas especificidades, sua importância. Elas passam a dialogar em uma relação de complementaridade e interdependência, como destacam Aline da Silva Lima e Crislane Barbosa de Azevedo (2013). A prática interdisciplinar não é fácil, mas é um caminho interessante no processo de ensino e agente facilitador dos mecanismos de aprendizagem.
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ResponderExcluirAdorei o texto e o parabenizo! Gostaria de saber como o docente fará a interdisciplinaridade entre letras e história? Visto que muitas instituições somos condicionados rigidamente ao currículo, ausentando tempo necessário para de fato salientar importante debate.
ResponderExcluirLeonardo Malta Mariano
Olá Leonardo. Obrigada pela leitura do texto e pela participação. A resposta é Sim. Trabalho com formação de professores ministrando a disciplina de História e Cultura Afro-Brasileira. Acredito muito nessa prática de interligação entre as diferentes áreas do conhecimento como um caminho interessante no processo de ensino e agente facilitador dos mecanismos de aprendizagem. Entendo que a História pode muito se beneficiar dialogando com outras disciplinas do currículo como, por exemplo, a Literatura, discussão do texto que apresentei neste evento. Ela é indiscutivelmente uma ferramenta poderosa na compreensão dos processos históricos. Entendo também que a interdisciplinaridade é um desafio, pois implica em mudanças de hábitos, de rotinas, implica em criar parcerias, estabelecer diálogos. Como destaquei na resposta anterior – acredito que a interdisciplinaridade é uma ação, passando pela postura do professor. Assim, atuando na formação de professores realizo essa discussão com meus alunos\as, levando-os a pensar sobre o desenvolvimento de práticas pedagógicas que contribuam para o processo educacional, a importância de conectar os saberes, de buscar eixos articuladores entre as disciplinas do currículo, de dialogar com colegas de trabalho, bem como a ideia de que o movimento interdisciplinar sempre será importantíssimo na articulação do processo ensinar-aprender.
ExcluirPrimeiramente parabéns pelo trabalho, bem fundamentado, esclarecedor e instiga a conhecer mais sobre a temática , quando você cita autores e obras que eu nunca vi falar e me incita a conhecer, eu como estudante de graduação é inspirador. A literatura afro-brasileira pode contribuir de forma extramamente, positiva na formação do aluno , e onde devemos mostrar em sala de aula , procurar inserir no programa da disciplina , por que os alunos estão de certa forma cansados da mesmice , e o professor sempre procurar inovar é muito importante. Com base no que foi exposto e na minha pequena experiência em sala de aula como Bolsista PIBID , você acha que esses programas como PIBID, Residência Pedagógica , devem sim procurar atrelar e contribuir mais essas temáticas nas suas propostas de intervenção? E a escola enquanto instituição que recebe esses jovens , a partir de então passar a trabalhar esses temas e não se voltar apenas pela leitura monótona e a aprendizagem matemática? E se você como professora acha que as escolas estão procurando cumprir o que a lei já respalda , inserindo efetivamente na matriz curricular?.
ResponderExcluirObrigada .
(Maria do Carmo Rodrigues do Nascimento)
Olá Maria do Carmo. Obrigada pela leitura e pela participação. Fico feliz em dialogar com você sobre essas questões. Que bom que o texto instigou você a conhecer os autores e mais sobre a temática. Já me sinto realizada só por isso! Vamos as suas questões. Os programas como o PIBID são importantíssimos. Eles aproximam a universidade da escola e os acadêmicos da prática docente. A intervenção pedagógica tendo como temática a história e cultura afro-brasileira valoriza a formação dos seres humanos, fortalece o discurso da diversidade cultural, é relevante no combate ao racismo. Essas propostas de intervenção, inclusive, fornecem lições que ajudam a pensar e repensar o currículo e o ambiente de nossas escolas. Portanto, sim. Esses programas devem procurar inserir a temática da cultura afro-brasileira nas suas propostas de intervenção, visando à educação das relações étnico-raciais, um ensino democrático, igualitário e, sobretudo, antirracista.
ExcluirA resposta da sua segunda questão também é sim. Entretanto, tenho algumas ressalvas. Esses programas são importantes instrumentos de diálogo, eles aproximam as discussões da universidade com a escola, promovem trocas de saberes..., o que é importante para a escola, para os alunos e para a formação do acadêmico enquanto professor. Mas, a escola não pode trabalhar essas temáticas somente por meio dos programas (delegar essa função às intervenções). Lembremos que o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira é obrigatório, respaldado por lei. Segundo o Parecer 003\04, “o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais se desenvolverão no cotidiano das escolas”. A participação dos negros na formação do Brasil, na cultura brasileira, suas manifestações... devem ocorrer “em salas de aula, nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares” (BRASIL, Parecer, 2004).
Em relação a sua terceira questão podemos dizer que passados quinze anos sua implementação ainda apresenta desafios. Algumas pesquisas, realizadas em mestrados e doutorados, sobre a aplicação da Lei 10.639 revelam alguns avanços e apontam os problemas que ainda enfrentamos. Ainda é possível, por exemplo, visualizar a predominância dos modelos educacionais influenciados por componentes de identidade cultural europeia no cotidiano das escolas. Ainda são necessárias ações do poder que promovam a capacitação de professores e profissionais da educação visando exercício da lei 10.639/200 e do respeito às diferenças. Carla Meinerz, por exemplo, pesquisa ações relativas à implementação da Lei em Cachoeirinha (RS). Ela destaca, entre outras questões, que os estudos da cultura afro-brasileira são ainda demarcados temporalmente, ou seja, muitas escolas dedicam tempo para a temática no mês de novembro, no contexto da Semana da Consciência Negra, sem continuidade em outras conjunturas. Temos avanços com certeza... mas, ainda precisamos refletir muito sobre essa questão.
Um texto que nos faz refletir sobre a atualidade e suas ofensas a população negra. Agora questiona-se como em pleno século 21 após anos e anos de escravidão e de políticas combatendo o racismo, ainda existe pessoas que acham que uma ofensa à um estilo de cabelo é apenas uma piada, onde opositores são a "geração mimi" o que se deve fazer para mudar um pensamento tão antigo?
ResponderExcluirComo abranger nas escolas de forma ampla, muito além das escolas periféricas, nas escolas de "brancos" desconstruir uma educação baseada em superioridade?
(Isabela Cardias Macedo)
Olá Isabela. Obrigada pela leitura do texto e pela participação. O Brasil é uma das maiores sociedades multirraciais do mundo, não é mesmo Isabela. Então, como explicar que a população afro-brasileira ainda é alvo de discriminação (?) A questão que você apresenta é bastante complexa. Creio que não há tempo e espaço suficiente para debater aqui... Mas, vou tentar apontar algumas coisas que considero importante. Primeiro, é interessante destacar que após o fim da escravidão os negros (ex escravos) ficaram livres fisicamente, porém, refém de uma sociedade que lhe impunha restrições. O contexto do fim da escravidão é marcado pela difusão das teorias raciais, a imigração europeia, a doutrina do branqueamento da população, do temor de que o Brasil se tornasse um país negro como o Haiti, por exemplo, etc. Além disso, com a implantação da República mecanismos discriminatórios e marginalizadores foram criados contra os negros. Isso quer dizer que não houve o desenvolvimento de ações voltadas a resolver a situação dos negros após séculos de escravidão. Pelo contrário, houve uma política de exclusão da população negra. Todas essas considerações foram determinantes para a condução e a conformação de questões sócio-raciais no Brasil.
ExcluirPor outro lado intelectuais brasileiros afirmavam continuamente a ideia democracia racial no país. Criou-se um mito de que negros e brancos convivem harmoniosamente no Brasil. Podemos dizer, grosso modo, que se trata de uma falsa imagem que o Brasil sempre buscou difundir de si mesmo (ARAÚJO, 2008), o que só veio a ser descontruído na década de 1990, tipo ontem, principalmente pelo movimento negro. Isso nos leva a perceber também que a existência do racismo é constantemente negada pela maioria da população. Isso quer dizer que a sociedade brasileira insiste em não reconhecer o racismo como responsável pelas desigualdades no país.
Outra questão que serve de parâmetro para pensar sobre a discriminação racial é o papel desempenhado pela mídia no século XX (principalmente na segunda metade do século XX). No texto: Os lugares ocupados pelos negros e brancos na mídia no Brasil, por exemplo, Silva e Rosemberg (2008) destacam que a mídia faz parte da produção e sustentação do racismo estrutural e simbólico da sociedade brasileira, porque produz e veicula um discurso que “naturaliza a superioridade branca, acata o mito da democracia racial e discrimina os negros”. Nós sabemos bem que as representações hegemônicas de valores, da ética e da estética do branco europeu estruturaram (e ainda estruturam!!) o pensamento e as práticas sociais das nações colonizadas, como o Brasil. Nesse processo, os atributos dos negros denotam feiura, pobreza, desqualificação e fracasso. Os desdobramentos disso são os processos de exclusão sociocultural, política, econômica e étnico-racial....
Como desconstruir isso tudo? Bem, defendo que a escola como um todo e o ensino de História podem contribuir para romper com: o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; contribuir para que, no seu interior, os alunos negros e afro-brasileiros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo de que são vítimas; que se desenvolva no Brasil um ensino democrático, igualitário e antirracista. Para isso dispomos, por exemplo, do Parecer 003\04, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
ExcluirEsse documento orienta o trabalho do professor\a para abordagens voltadas a) Consciência política e histórica da diversidade; b) Fortalecimento de identidades e direitos; c) Combate ao racismo e a discriminações.
Esses princípios dizem respeito:
- a abordagens em que os negros tenham conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana;
- a abordagens em que os brancos identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros para a história do Brasil;
- promoção do estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social;
- divulgar a participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora africana, em episódios da história mundial;
- rompimento de imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação contra os negros\as;
- ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. É importante criar condições para que os estudantes negros\as não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos.
Prezada Zuleide, estimas de respeito e saudação.
ResponderExcluirPrimeiramente, gostaria de parabenizá-la pelo trabalho, cuja temática apresenta-se de extrema relevância a um cenário de enfrentamentos sociais, contribuindo no alargar de discussões sobre a figura da pessoa negra e na quebra dos inúmeros estereótipos consolidados no decorrer da história, sendo esta, uma história fragilizada, deficitária e opressora.
Chama-me a atenção no texto, especificamente, ao tratar de ocorridos na vida real, à problemática em torno do “cabelo crespo” e suas associações negativas que são propagadas ainda hoje, criando-se inúmeros apelidos corriqueiros a tal condição estética.
Guiando-se na ideia do “cabelo crespo”, e conhecedor de algumas literaturas afro-brasileiras existentes, não posso deixar de notar que muitas obras ainda propagam a imagem da pessoa negra e seu cabelo como motivo de piada, associando coisas absurdas, tais como: a força, o sobrenatural, dentre outros. Por exemplo, em uma dessas narrativas, a personagem central possui um enorme cabelo que passa a ser comparado com arame, servindo para arrastar carros, geladeiras, quebrar pentes e amarrar embalagens de alimentos. Sem dúvidas, tal narrativa é um grande problema.
Assim, ressalta-se que a narrativa descrita acima é fornecida pelo governo as escolas, o que demonstra uma grande possibilidade de, ainda que indiretamente, estar inserindo materiais didáticos que possam estar propagando atos discriminatórios nesse ambiente educativo. Logo, sem muitas opções, o docente acaba utilizando tais histórias no decorrer de seu trabalho em sala de aula.
Em sua opinião, de que forma o docente deve utilizar tais materiais fornecidos a ele, ainda que apresentem tais características supracitadas? Você acredita que transpor esses conteúdos de acordo com a realidade da sala de aula é uma prática viável? Como romper com a produção de literaturas afro-brasileiras que acabam por propagar ainda mais a discriminação entre os negros?
Atenciosamente,
LUCAS DE VASCONCELOS SOARES.
Universidade Federal do Oeste do Pará.
Olá Lucas. Obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. Muito pertinente sua colocação. Falar de livro didático, produto mercadológico, é complexo, não é mesmo? Vamos lá... vou pontuar algumas questões que considero importante. Primeiro, entendo que todo livro didático precisa ser observado de forma crítica, pois ele é fruto de vários interesses - dos sujeitos envolvidos em seu processo de elaboração, das políticas que determinam sua compra, do papel das editoras nestas políticas, entre outros tantos aspectos. É claro que o professor participa da escolha, mas esta escolha ainda se dá de forma bastante superficial. Por outro lado, muitas vezes, o que ocorre é a simples concordância com outras escolas, o tempo para esse trabalho de escolha é reduzido, os sujeitos não estão capacitados para tal, não identificando a discriminação e a invisibilidade do negro, bem como suas escolhas são tratadas, muitas vezes, como de importância secundária diante do aspecto mercadológico.... Assim, entendo que todos os materiais didáticos precisam ser observados sempre de forma crítica pelo professor\a e da mesma forma utilizados na sala de aula.
ExcluirNo que diz respeito a temática afro-brasileira e africana a atenção do professor\a precisa ser ainda maior. Segundo Carvalho (2006), na dissertação de mestrado - As imagens dos negros em livros didáticos de História - a ausência de referenciais positivos voltados aos negros nos livros didáticos contribui para a baixa estima e para a propagação do sentimento de inferioridade nos alunos negros. Nesse sentido é importante que os professores, embasados teoricamente, possam, juntamente com seus alunos, desconstruírem os estereótipos e avançarem significativamente na construção e reelaboração da percepção desses agentes sociais.
Entretanto, eu também entendo que o professor\a não pode ficar eternamente atuando como mediador do processo de desconstrução dos discursos racistas veiculados pelo material pedagógico. É necessária a revisão dos conteúdos, é necessário que eles sejam corrigidos na sua origem, pois o livro didático, um dos principais instrumentos de apoio ao trabalho do professor em sala de aula, deve sustentar práticas pluralistas e que englobem a diversidade étnico-racial por meio de conteúdos sem preconceitos.
Tomo como base o Parecer 003\04, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Nele podemos observar que para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como referência alguns princípios, a saber: a) Consciência política e histórica da diversidade; b) Fortalecimento de identidades e direitos; c) Combate ao racismo e a discriminações. No que diz respeito ao combate ao racismo verificamos que o princípio encaminha, entre outros, para “a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como providências para corrigi-las” (BRASIL. Parecer 002\04).
Com base nisso os professores, todos os envolvidos na gestão escolar, devem estar atentos à ausência dos negros nesses materiais, bem como às representações, visões, que coloquem a população negra de forma negativa nos materiais didáticos. Essa posição é reforçada no artigo 12 da Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Segundo o artigo “Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão para que a edição de livros e de outros materiais didáticos atenda ao disposto no Parecer CNE/CP 003/2004, no comprimento da legislação em vigor”.
Nosso dever como docentes é levar para a sala de aula o máximo de materiais disponíveis, principalmente em assuntos tão mal abordados pela população geral como a história afrobrasileira, creio que seja uma ótima forma de desconstruir mitos, em especial os racistas, em torno da história do continente e do povo africano.
ResponderExcluirWagner Luis dos Santos Ferreira
Olá Wagner. Obrigada pela participação. Concordo com você. O professor\a precisa utilizar materiais diferentes na sala de aula no sentido de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira. Além disso, a postura do professor\a é fundamental para que se desenvolva no Brasil um ensino democrático, igualitário e antirracista.
ExcluirEm relação ao trecho "entende-se que a literatura afro-brasileira contribui no ensino de História com conteúdos para além do samba, da capoeira e do acarajé como elementos que se referem à cultura afro-brasileira", pergunto: será que realmente alcançamos as particularidades que tais manifestações possuem, ou ainda somos conteudistas e, portanto, nao sabemos como lidar com tais situações da cultura brasileira?
ResponderExcluirOlá Kleyton. Obrigada pela participação. Podemos dizer que passados mais quinze anos da implementação da lei 10.639 ainda temos grandes desafios. Algumas pesquisas, realizadas em mestrados e doutorados, sobre a aplicação da Lei 10.639 revelam alguns avanços e apontam os problemas que ainda enfrentamos. Ainda é possível, por exemplo, visualizar a predominância dos modelos educacionais influenciados por componentes de identidade cultural europeia no cotidiano das escolas. Ainda são necessárias ações do poder que promovam a capacitação de professores e profissionais da educação visando exercício da lei 10.639/200 e do respeito às diferenças. Ainda precisamos refletir muito sobre isso... mas, creio que estamos no caminho.
ExcluirParabéns pela pesquisa. Também atuo nesse campo e vejo que muitos são os enfrentamentos do professor de História. Penso que a maioria dos docentes de História não tiveram preparação e nem formação para trabalhar o assunto. Como você a questão da atuação na docência frente aos currículos tão aprisionados e restritivos para essa temática?
ResponderExcluirLeandra Paulista de Carvalho
Olá Leandra. Obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. Creio que as respostas acima contemplam muito da sua questão. Portanto, me permito somente complementar o que já foi dito destacando que realmente é um problema o fato de que muitos docentes não tiveram preparação e nem formação para trabalhar com a temática da história e cultura afro-brasileira. Entretanto, entendo que já se passaram mais 15 anos desde a implantação da Lei 10.639. Durante esses anos muitas pesquisas foram realizadas, muitas publicações foram feitas, cursos e seminários, tendo essa temática como uma preocupação. Além disso, entendo que o professor é um sujeito que precisa estar em constante reflexão de sua prática, se aperfeiçoando constantemente. É importante que o professor\a, assim como o governo e as autoridades competentes, assumam o dever de melhorar a formação inicial, invistam em uma educação continuada, garantindo assim, que todos os cidadãos tenham acesso a uma educação de qualidade que os tornem aptos a viverem em sociedade. É Claro que ainda temos desafios pela frente e não são poucos (como explicitei nas respostas acima). Mas, creio que depois de 15 anos não nos cabe mais a fala de que “não sabemos fazer”.
ExcluirAssim como os outros leitores do trabalho, venho aqui parabenizar a pesquisa, que se mostra essencial no contexto atual de negacionismo de opressões, deslegitimação do professor de história e difusão/consumo de fake news. Iniciativas como essa destacam a necessidade da criação de linguagens que não se resumam a trabalhar o conteúdo de forma fechada e permitam que os alunos acessem ao passado a partir de uma abordagem que historicize. Minha pergunta é referente ao seguinte trecho: "se a literatura é cada vez mais utilizada como objeto de reflexão entre os historiadores, ela também pode (e deve) ser incorporada ao ensino de História". Em que medida você acha que o conhecimento escolar deve refletir o conhecimento acadêmico?
ResponderExcluirAdelle Jeanne Santos Sant'Anna
Olá Adelle, obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. Vamos lá... Esse trecho diz respeito ao fato de que a literatura é vista hoje como uma importante fonte para construção do conhecimento histórico. A partir dos estudos de Roger Chartier, por exemplo, é possível historicizar a obra literária e assumi-la como uma evidência histórica. O assunto é discutido muito por Sandra Jatay Pesavento (2006), para a qual Clío se aproxima de Calíope, sem com ela se confundir. Isso quer dizer que História e Literatura correspondem a narrativas explicativas do real, que se renovam no tempo e no espaço, dotadas de um traço de permanência ancestral, a saber: “os homens, que desde sempre, expressaram pela linguagem o mundo do visto e do não visto” (PESAVENTO, 2006, p. 11). Isso quer dizer que a literatura é utilizada cada vez mais como fonte para a História. Nesse sentido, ela também pode ser incorporada pelo professor\a no ensino de História. O professor\a, na sala de aula, pode fazer uso da literatura, da sua autoria, do contexto em que a obra foi produzida, de pesquisas em História que tomam a literatura como fonte, para ensinar História. Claro, fazendo todo o trabalho de transposição didática dos conteúdos, contextualizando a obra, e se possível, em parceria com a disciplina de Português\Literatura, numa perspectiva de interdisciplinaridade.
Excluir
ResponderExcluirOlá. Sua pesquisa é muito valorosa, pois sempre temos a necessidade de criarmos outras formas de diálogo sobre a temática. Passei a ler os textos da Chimamanda Ngozi Adichie e leva-los para a sala de aula, na tentativa de despertar nos discentes a importância dos africanos e afro-brasileiros para nossa constituição como sociedade.
Olá Talyta. Obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. Ótima ideia. Os textos d a escritora Chimamanda Ngozi Adichie são ótimos para a sala de aula. Trata-se de uma mulher, negra e feminista e o contato dos alunos\as com essa escritora, com a discussão sobre racismo e machismo que ela faz será muito enriquecedor.
ExcluirPrimeiramente parabéns pelo trabalho, bem elaborado e instigante, por vir de um ensino público precário tive pouco contato com literatura afro-brasileira, neste semestre estou fazendo História da África, e existe um caleidoscópio de literatura africana pouco divulgado mas que deveria ser mais utilizado no Brasil pela forte descendência que temos, minha pergunta fica referente a este trecho " o poeta João da Cruz e Souza produziu e sofreu os revezes de ser um poeta negro em uma sociedade escravocrata. A condição de negro o conduziu a uma marginalidade social, ora ostensiva, ora mascarada pela tolerância dos convívios inevitáveis."
ResponderExcluirHoje temos produções audiovisuais que valorizam e elevam a consciência de ser negro, empoderando o negro como um ser histórico e não um mero objeto como outrora, o que você acha de trazer para a sala de aula recursos audiovisuais que por sua vez baseados em obras literárias afro-brasileiras ou de matriz africana com o intuito de trazer essa familiaridade que nos falta, contribuiria para o "desbranqueamento" dá literatura?
Olá Gilmara. Obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. A utilização de diversos materiais na aula de História é fundamental. Os materiais audiovisuais muito podem contribuir para o ensino e aprendizagem. Não é prudente, como apontei acima, a utilização somente dos livros didáticos, por exemplo. Sabemos que eles são um produto mercadológico, fruto de vários interesses - dos sujeitos envolvidos em seu processo de elaboração, das políticas que determinam sua compra, do papel das editoras nestas políticas, entre outros tantos aspectos. Muitos materiais trazem são marcados pela ausência de referenciais positivos voltados aos negros nos livros didáticos, o que contribui para a baixa estima e para a propagação do sentimento de inferioridade nos alunos\as negros\as. Assim, diversificação dos materiais em sala de aula é fundamental quando queremos uma educação democrática, igualitária e antirracista.
ExcluirÉ muito interessante quando você fala de “desbranqueamento” da literatura. Eu mesma quando estava no Fundamental e Médio lembro-me de ter estudado autores como Cruz e Souza, por exemplo. Entretanto, não fui despertada para o fato de ele ser negro, sabe? Eu só fui ter na universidade, na graduação em História, a percepção de que ele era negro, bem como do que significava ser um poeta negro em uma sociedade escravista, que discutia teorias raciais e o branqueamento da população. Então, isso é muito válido.
Boa tarde, adorei seu texto, estruturado de forma clara e de fácil entendimento, prende a nossa atenção de uma forma maravilhosa. Eu particularmente sou apaixonada por literatura e inclusive sou aluna de licenciatura em historia, então seu texto foi bem útil para experiencias futuras. Dito isso pergunto a você o seguinte, sabemos que a nossa sociedade é responsável por tornar invisível os negros, não só no Brasil como no mundo inteiro, e que ainda nos dias de hoje varias pessoas discriminam e tem preconceitos com eles, você acredita que os professores irão se dedicar e tentar mudar a visão de seus alunos, com o tempo tao curto que temos para dar as aulas, acredita que essa lei 10.639/03 sera realmente colocada em pratica? Caso isso não ocorra e chegue ao nosso conhecimento, o que poderíamos fazer para mudar o pensamento desse professor que não esta disposto a cumprir a Lei?
ResponderExcluirDeusilvania Gadelha Martins
Olá Deusilvania. Obrigada pela leitura do texto e pela sua participação. Bom, acho que já as respostas anteriores já contemplam muito das suas questões. Para complementar podemos dizer que passados mais de quinze anos sua implementação da lei 10.639 podemos dizer ainda temos desafios. Algumas pesquisas, realizadas em mestrados e doutorados, sobre a aplicação da Lei revelam alguns avanços e apontam os problemas que ainda enfrentamos. Ainda é possível, por exemplo, visualizar a predominância dos modelos educacionais influenciados por componentes de identidade cultural europeia no cotidiano das escolas. Ainda são necessárias ações do poder que promovam a capacitação de professores e profissionais da educação visando exercício dessa Lei e do respeito às diferenças. Carla Meinerz, por exemplo, pesquisa ações relativas à implementação da Lei em Cachoeirinha (RS). Ela destaca, entre outras questões, que os estudos da cultura afro-brasileira são ainda demarcados temporalmente, ou seja, muitas escolas dedicam tempo para a temática no mês de novembro, no contexto da Semana da Consciência Negra, sem continuidade em outras conjunturas. Isso quer dizer que temos avanços... Mas, ainda precisamos refletir muito sobre essa questão. A Lei tem que ser colocada em prática, afinal é lei.
ExcluirParabéns pelo texto!
ResponderExcluirGostaria de saber se indicaria algum material didático para ser trabalhado com os anos iniciais com as crianças, para que elas tenham o contato com a cultura afro brasileira e africana desde pequenas?