Pedro Luiz Teixeira de Sena


UM ESTUDO SOBRE A INSERÇÃO INDÍGENA NA ESCOLA

Introdução
Antes da chegada dos espanhóis e portugueses na América, estima-se que viviam nesse território cerca de 3,5 milhões de nativos no Brasil até a época do “descobrimento”. Essas populações nativas não eram homogêneas e diferenciavam entre si principalmente devido suas culturas. Devido inúmeros fatores, como por exemplo as doenças trazidas pelos colonizadores, e as condições de escravidão que lhes foram impostas, aconteceu quase que um extermínio contra os indígenas, e hoje em dia no  Brasil vivem cerca de 897.000 indígenas em todo o território brasileiro, segundo um senso realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, sendo 250 etnias distintas. Esses povos possuem diversos aspectos culturais distintos tais como a língua. O Brasil herdou da colonização portuguesa, um território com os mais diversos povos, nativos, que por si só possuem etnias distintas, africanos, devido ao longo período de escravidão, e inúmeros imigrantes, tais como italianos e os próprios portugueses. Devido as políticas de branqueamento da população, há no Brasil uma população mestiça e bastante diversificada, que advém das relações entre indígenas e negros, negros e brancos, brancos e indígenas e etc. Por isso, faz-se necessário conteúdos escolares que demonstrem toda essa diversidade cultural presente em nosso território, visto que a escola, dentre inúmeras funções, deve fazer com que os alunos aceitem e respeitem as mais diversas práticas culturais do nosso país.

A escola e o índio
É função social da escola promover a educação e formar cidadãos críticos e capazes de conviver em sociedade. Com relação a educação o artigo 205 da Constituição Federal de 1988 deixa explicito que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação”. Através dessa definição, pode-se supor que a educação é um direito social, e todos devem ter acesso a escola para poder ser educados. Porém a escola que é responsável por educar é individualista, como define o antropólogo Márcio Ferreira da Silva (1994), e mesmo que a escola promova um encontro das massas que é diversificada devido a formação histórica do Brasil, ela não faz com que todos os indivíduos presentes nela se encaixem.
        
No Brasil temos o Estatuto do Índio, que assegura aos indígenas uma legislação diferente do restante da população do país. Nele temos alguns artigos que dizem respeito a educação e alfabetização indígena tais como art. 48 e 49. O artigo 48 diz que os indígenas têm pleno direito ao acesso ao sistema educacional brasileiro, com adaptações necessárias para cada aldeia indígena e o art. 49 diz que a alfabetização dos índios se dará a partir da língua original de cada grupo e também de português para que o mesmo possa viver em sociedade. 
        
Através de seu convívio com os Waimiri-Atroari, Márcio Ferreira da Silva constatou que as escolas indígenas diferem das tradicionais escolas brasileiras devido alguns aspectos, entre ele o fato de serem mais coletivas. Depois de observar como funciona os sistemas das escolas, Márcio percebeu que as escolas formam indivíduos extremamente individualistas, devido, principalmente, o sistema de avaliação, enquanto as escolas indígenas formam indivíduos que pensam de forma mais coletiva. O antropólogo ressalta que a pratica de educar indígenas é muito antiga e vem desde o período colonial, e muitas vezes era de responsabilidade dos missionários e Jesuítas. 

“A implantação de projetos escolares para as populações indígenas no Brasil é quase tão antiga quanto o estabelecimento dos primeiros agentes coloniais em nosso chão. A submissão política das populações nativas, a invasão de suas áreas tradicionais, a pilhagem e a destruição de suas riquezas, etc. têm sido, desde o século XVI, o resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos de controle político a algum tipo de atividade escolar civilizatória. E não se pense que tais atividades escolares se desenvolveram sem um plano, de forma improvisada e assistematicamente. Ao contrário, os missionários (primeiros encarregados desta tarefa) dedicaram a ela muita reflexão, tenacidade e esforço. O colonialismo, a Educação Indígena e o proselitismo religioso são práticas que têm, no Brasil, a mesma origem e mais ou menos a mesma idade.”
        
A escola no início tinha como preocupação civilizar as populações nativas presente no território da colônia, mas com o passar dos anos e as políticas de democratização e de inserção das pessoas a escola a sua função foi mudando. Os indígenas começaram a frequentar tal instituição e enfrentam inúmeras dificuldades e sofrem muito com os estereótipos que carregam.
        
A cultura das populações nativas possui diversas semelhanças com a nossa, uma delas é que as crianças indígenas brincam como qualquer outra criança, mas mesmo assim ainda olhamos para esses povos com um olhar bastante preconceituoso. Temos inúmeras ideias estereotipadas dos povos indígenas tais como o índio está acabando, pelo fato de o indígena começar a usufruir de mecanismos presentes em nossa cultura, e segundo o livro Cineastas Indígenas cometemos alguns equívocos que devem ser trabalhados para não mais cometidos. O primeiro equivoco seria a noção de índio genérico, ou seja, tudo é índio ou índio é tudo igual, e com essa ideia acabamos excluindo a pluralidade de etnias e culturas dos índios e suas peculiaridades. O segundo equivoco apontado é que os indígenas possuem uma cultura atrasada, ou seja, são discriminados devido sua língua, religião, arte, ciência, saberes e etc, como se fossem todas inferiores as nossas. O terceiro equivoco trazido pelo livro é a noção de culturas congeladas, como se as culturas indígenas não pudessem modificar, porque o índio é tradicional. O quarto equivoco é que os índios fazem parte do passado, esquecendo que os indígenas estão sim presentes na modernidade, por exemplo na arte e o quinto e último equivoco presente é a noção de que o brasileiro não é índio, excluindo a realidade que sim, somos todos indígenas devido à grande mistura de povos que ocorreu no passado e ainda ocorre hoje em dia.
        
É notável destacar que a cultura indígena é bastante rica e diversificada devido suas tradições, nos enganamos ao achar que são “atrasados”. As escolas indígenas são diferentes das nossas principalmente devido a forma como aborda dos conteúdos, os conteúdos que são abordados e devido a formação dos professores. A pedagogia utilizada nas escolas indígenas busca afirmar as identidades de cada etnia e perpassar práticas e costumes das mesmas, para que não sejam perdidos, através do processo de sincretismo. Com relação a formação dos professores, durante um trabalho de extensão realizado por professores das universidades UFMG, UFSJ e PUC-MG, no qual consistia na observação na implantação de escolas nas tribos Pataxó, Krenak, Maxakali e Xakriabá, os professores foram formados com ênfase nas seguintes disciplinas:

“Foram escolhidas as seguintes áreas do conhecimento: Português, com ênfase em leitura e discussão sobre as diversas formas de leitura, os diversos tipos de livros (literatura, livros técnicos, álbuns, apostilas, dicionários, etc.); Ciências, com maior atenção à questão ambiental (produção e processamento de lixo, poluição, contaminação do meio ambiente, etc.) e de proteção à saúde; Matemática e Uso do Território” Dutra et al, 2003.

Demonstrando que há preocupações diferentes nas escolas indígenas e as escolas padrões da sociedade brasileira, que volta seu ensino para a formação cada vez mais de trabalhadores.

Cultura indígena na escola
Hoje em dia, as populações indígenas não se isolam mais nas matas evitando o contato com os não índios, reconhecem hoje que devem lutar pelo seus direitos e através dessas lutas obtiveram algumas vitorias tais como as demarcações de terras e também a lei 11.645/08 que torna obrigatório o ensino da história e da cultura indígena em todas as escolas de ensino fundamental e médio brasileiras, tanto públicas quanto privadas. A lei é uma alteração da lei 10.639/03, que tratava apenas a obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África e povos afro-brasileiro e tem como objetivo tentar fazer com que conhecendo a história dos povos nativos e fundantes, pode-se combater todo esse preconceito e discriminação com relação ao indígena e aos negros como está explícito no primeiro parágrafo da lei:

“O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.” (BRASIL, 2008).

Porém através de um estudo feito por professores na UFAC, foi constado que muitos dos estudantes de licenciatura não possui conhecimento da lei, e alguns já formados não aplicam a mesma quando começam atuar na escola pública. A ineficácia da aplicabilidade da lei resulta numa série de fatores negativos, pois estudantes indígenas ao ingressar nas escolas públicas brasileiras sofrem inúmeros tipo de preconceito e não conseguem se enquadrar em nenhum grupo nas escolas e acabam sendo excluídos devido a falta de conhecimento acerca dos mesmos.

Um mecanismo que reforça muitas vezes uma visão estereotipadas dos indígenas são os livros didáticos, pois trazem esses povos apenas como submissos a colonização por exemplo o que acaba descaracterizando as lutas históricas desses povos e o professor acaba tendo que desconstruir todos esses valores dos alunos.

Foi feita uma observação das práticas pedagógicas relacionadas ao ensino da cultura indígena em escolas de ensino infantil (maternal) e de ensino fundamental I (primeiro a quinto ano) para saber como é trabalhada a data de 19 de abril, em que se comemora o dia do índio, com as crianças hoje em dia.
Na escola de ensino infantil as professoras levaram cocais de papel para as crianças colorirem e se fantasiar como uma forma de homenagear os indígenas e foi explicado a elas sobre o uso de tal adereço e sua representatividade. Depois foi narrada para os alunos a história do “descobrimento” do Brasil e das lutas e disputas por terras que envolveram os indígenas e os alunos foram postos em rodas para escutar músicas de caráter indígena e músicas sobre o descobrimento. A última atividade realizada nessa escola foi uma atividade de colorir, na qual foi disponibilizado para os alunos índios numa folha de papel para que os mesmos colorissem. Nesta escola pode-se notar que há um interesse de revelar aos alunos um pouco da história e da cultura dos povos indígenas através das músicas, mas ao fantasiar os alunos de índio pudemos ver que ela contribui para a criação de uma imagem estereotipada dos índios nas crianças, que já está enraizada em nossa sociedade.

Já na escola de ensino fundamental I foram realizadas diversas atividades, mas de acordo com as séries. Para os alunos que cursam até a segunda série foi realizada uma oficina de exposição no pátio da escola de instrumentos e vestimentas que são utilizados e estão presente na cultura indígena, enquanto para os alunos das outras séries foram disponibilizados textos que falam um pouco sobre como os índios viviam e como sua população diminuiu com o passar dos anos, textos que falam sobre algumas tribos indígenas tais como os Xavantes, Guarani, Bororo e Yanomâmi e também foi realizada uma atividade no qual os alunos deveriam realizar uma pesquisa sobre alguma curiosidade dos povos indígenas brasileiros.

É importante ressaltar nas atividades realizadas nessa escola dois pontos, o primeiro é que se pode perceber nas atividades realizadas uma preocupação em demonstrar que a cultura dos índios é bastante diversificada e que eles são separados em tribos, cada uma com seus aspectos culturais e o segundo ponto que vale ser ressaltado é que nessa escola nenhum aluno foi fantasiado de índio, ou seja, não contribuíram com o estereótipo que os índios carregam que índio é apenas aquele grupo de pessoa que não utiliza a mesma tecnologia e vestimentas que nós, ou seja índio é apenas aquele tradicional.

Além da lei que insere as temáticas indígenas nas escolas brasileiras, outra política adotada, e que gera bastante polemica, são as leis de cotas para inserção dos povos indígenas no ensino superior para que assim se promova a diversidade e ajude os mesmos na superação dos obstáculos históricos que lhe foram impostos. A lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, faz-se obrigatório a oferta de algumas vagas para além de indígenas, pretos e pardos e também pessoas que estudaram em ensino público e possuem renda relativamente baixa.

Considerações finais
Com o fim da ditadura militar houve um  constante crescimento de movimentos sociais em relação  as diversidades socioculturais presente na sociedade brasileira e um aumento de políticas públicas com relação ao ensino devido a Constituição de 1988 que no artigo 210 expõe que " Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.”. Entretanto é necessário um investimento maciço para que seja respeitada as peculiaridades de cada etnia e criação políticas para aprimorar o ensino da diversidade.

Referencias
Pedro Luiz Teixeira de Sena é aluno do quarto período da graduação de Licenciatura em História na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

BATISTA, Andressa. A percepção e aplicação da Lei 11.645/08 na perspectiva dos Egressos do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal do Acre. In: Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016.

 Cineastas Indígenas: um outro olhar. Disponível em: <http://www.videonasaldeias.org.br/downloads/vna_guia_prof.pdf>. Acesso 15 de outubro de 2018.

EVARISTO, Macaé Maria. OLIVEIRA, Wilder Barbosa. GOMES, Ana Maria R. GERKEN, Carlos Henrique. A Implantação das Escolas Indígenas em Minas Gerais: Percurso de Recíproco Conhecimento entre Índios e Não Índios. 2004.

MIRANDA, Ana Paula Teixeira. PASTANA, Jéssica Joyce Rodrigues. FERRO, Simão Junior Pinto. A APLICABILIDADE DA LEI 11.645/08 DENTRO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS. Disponível em:

SILVA, Marcos Ferreira. A CONQUISTA DA ESCOLA: educação escolar e movimento professores indígenas no Brasil. 1994.


4 comentários:

  1. Bom dia!Acredito que professores de Educação Infantil deveriam ter acesso ao conteúdo também, por ser a primeira etapa da educação básica e por ser um espaço onde enfrentamos muito o racismo institucional, pois a resistência em falar sobre a África e as populações indígenas,sua cultura, povo, enfim… Os estudos sobre e a disponibilidade de materiais principalmente das populações indígenas não são muito impedida, com argumentos vagos e preconceituosos?

    Ricardo Nogueira Albino Neto

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    1. Pedro Luiz Teixeira de Sena11 de abril de 2019 às 16:31

      Boa noite Ricardo!

      Acredito sim que os professores do ensino infantil deveria ter acesso a conteúdos que tratem da cultura nativa sem esteriótipos e preconceitos, uma vez que eles iniciam a formação do aluno e muita das ideias que estes carregam são formadas na primeira etapa do ensino e fica muito difícil de desconstruir depois, por isso deve ser trabalhada da forma mais original possível conteúdos que dizem respeito a história e cultura dos povos fundantes. Com relação aos materiais disponíveis, como por exemplo os livros didáticos, eles carregam sim argumentos vagos e preconceituosos e por isso cabe ao professor como construtor e mediador do conhecimento em sala de aula expor a verdade com relação ao conteúdo e selecionar também o que ira trabalhar em sala com os alunos. Cabe ao professor sair de sua zona de conforto e ir atrás de materiais que estão disponíveis mas que não carreguem esteriótipos.

      Att,

      Pedro Luiz Teixeira de Sena

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  2. Olá Pedro Sena, boa noite.

    Muito interessante a abordagem do seu texto, pois acredito que essa temática tem sido bastante negligencia por muitos de nós, professores de história. Acredito que está mais do que na hora de passarmos discutir e problematizar, com mais seriedade a cultura, dos povos nativos em nossas salas de aula. Portanto, é imperativo a inserção de conteúdos escolares que demonstrem toda a diversidade cultura dos povos nativos ainda presente em nosso território. Ademais, é urge a necessidade de se combater a folclorização da cultura nativa o que, de certe forma, contribui para a romantização dessa matriz cultura por nossa sociedade. Por outro lado, os nossos professores precisam se apropriar de arcabouços teóricos e metodológicos necessários para desconstruir, através de sua prática profissional, a visão estereotipada que a respeito dos povos indígenas ainda tão presente em nossa cultura. Contribuindo assim, para o lento e necessário processo de desconstrução do racismo institucional presente nas várias instancias de nossa sociedade, tanto quanto a respeito as matrizes culturais indígenas, quanto africana. A proposito gostaria de saber se já teve a oportunidade de prestigiar o trabalho do professor dr. Edson Hely Silva, titula da UFPE, pois ele tem dado contribuições bastante significativas para o entendimento dessa temática.

    Abraços,
    Eduardo Augusto de Santana.

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    1. Pedro Luiz Teixeira de Sena11 de abril de 2019 às 16:23

      Boa noite, Eduardo! Um dos caminhos para o combate a visão estereotipada que os conteúdos que tratam sobre a cultura indígena seria sim acabar com a folclorização e trazer para os alunos de forma seria diversos elementos das culturas nativas e como ela esta presente em nossa sociedade hoje e como foi importante para a construção da cultura brasileira em sim. Ainda não tive a oportunidade de me debruçar sobre o trabalho do professor dr. Edson Hely mas procurarei sim dar uma olhada para compreender melhor e somar para minhas pesquisas.

      Att,

      Pedro Luiz Teixeira de Sena

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