UM ESTUDO SOBRE A INSERÇÃO INDÍGENA NA ESCOLA
Introdução
Antes da chegada dos espanhóis e portugueses na América,
estima-se que viviam nesse território cerca de 3,5 milhões de nativos no Brasil
até a época do “descobrimento”. Essas populações nativas não eram homogêneas e
diferenciavam entre si principalmente devido suas culturas. Devido inúmeros
fatores, como por exemplo as doenças trazidas pelos colonizadores, e as
condições de escravidão que lhes foram impostas, aconteceu quase que um
extermínio contra os indígenas, e hoje em dia no Brasil vivem cerca de 897.000 indígenas em
todo o território brasileiro, segundo um senso realizado pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, sendo 250
etnias distintas. Esses povos possuem diversos aspectos culturais distintos
tais como a língua. O Brasil herdou da colonização portuguesa, um território
com os mais diversos povos, nativos, que por si só possuem etnias distintas,
africanos, devido ao longo período de escravidão, e inúmeros imigrantes, tais
como italianos e os próprios portugueses. Devido as políticas de branqueamento
da população, há no Brasil uma população mestiça e bastante diversificada, que
advém das relações entre indígenas e negros, negros e brancos, brancos e
indígenas e etc. Por isso, faz-se necessário conteúdos escolares que demonstrem
toda essa diversidade cultural presente em nosso território, visto que a
escola, dentre inúmeras funções, deve fazer com que os alunos aceitem e
respeitem as mais diversas práticas culturais do nosso país.
A
escola e o índio
É função social da escola promover a educação e formar
cidadãos críticos e capazes de conviver em sociedade. Com relação a educação o
artigo 205 da Constituição Federal de 1988 deixa explicito que “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação”. Através dessa
definição, pode-se supor que a educação é um direito social, e todos devem ter
acesso a escola para poder ser educados. Porém a escola que é responsável por
educar é individualista, como define o antropólogo Márcio Ferreira da Silva
(1994), e mesmo que a escola promova um encontro das massas que é diversificada
devido a formação histórica do Brasil, ela não faz com que todos os indivíduos
presentes nela se encaixem.
No Brasil temos o Estatuto do Índio, que assegura aos
indígenas uma legislação diferente do restante da população do país. Nele temos
alguns artigos que dizem respeito a educação e alfabetização indígena tais como
art. 48 e 49. O artigo 48 diz que os indígenas têm pleno direito ao acesso ao
sistema educacional brasileiro, com adaptações necessárias para cada aldeia
indígena e o art. 49 diz que a alfabetização dos índios se dará a partir da
língua original de cada grupo e também de português para que o mesmo possa
viver em sociedade.
Através de seu convívio com os Waimiri-Atroari, Márcio
Ferreira da Silva constatou que as escolas indígenas diferem das tradicionais
escolas brasileiras devido alguns aspectos, entre ele o fato de serem mais
coletivas. Depois de observar como funciona os sistemas das escolas, Márcio
percebeu que as escolas formam indivíduos extremamente individualistas, devido,
principalmente, o sistema de avaliação, enquanto as escolas indígenas formam
indivíduos que pensam de forma mais coletiva. O antropólogo ressalta que a
pratica de educar indígenas é muito antiga e vem desde o período colonial, e
muitas vezes era de responsabilidade dos missionários e Jesuítas.
“A implantação de projetos escolares para as populações indígenas no Brasil é quase tão antiga quanto o estabelecimento dos primeiros agentes coloniais em nosso chão. A submissão política das populações nativas, a invasão de suas áreas tradicionais, a pilhagem e a destruição de suas riquezas, etc. têm sido, desde o século XVI, o resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos de controle político a algum tipo de atividade escolar civilizatória. E não se pense que tais atividades escolares se desenvolveram sem um plano, de forma improvisada e assistematicamente. Ao contrário, os missionários (primeiros encarregados desta tarefa) dedicaram a ela muita reflexão, tenacidade e esforço. O colonialismo, a Educação Indígena e o proselitismo religioso são práticas que têm, no Brasil, a mesma origem e mais ou menos a mesma idade.”
A escola no início tinha como preocupação civilizar as
populações nativas presente no território da colônia, mas com o passar dos anos
e as políticas de democratização e de inserção das pessoas a escola a sua
função foi mudando. Os indígenas começaram a frequentar tal instituição e
enfrentam inúmeras dificuldades e sofrem muito com os estereótipos que
carregam.
A cultura das populações nativas possui diversas semelhanças
com a nossa, uma delas é que as crianças indígenas brincam como qualquer outra
criança, mas mesmo assim ainda olhamos para esses povos com um olhar bastante
preconceituoso. Temos inúmeras ideias estereotipadas dos povos indígenas tais
como o índio está acabando, pelo fato de o indígena
começar a usufruir de mecanismos presentes em nossa cultura, e segundo o livro
Cineastas Indígenas cometemos alguns equívocos que devem ser trabalhados para
não mais cometidos. O primeiro equivoco seria a noção de índio genérico, ou
seja, tudo é índio ou índio é tudo igual, e com essa ideia acabamos excluindo a
pluralidade de etnias e culturas dos índios e suas peculiaridades. O segundo
equivoco apontado é que os indígenas possuem uma cultura atrasada, ou seja, são
discriminados devido sua língua, religião, arte, ciência, saberes e etc, como
se fossem todas inferiores as nossas. O terceiro equivoco trazido pelo livro é
a noção de culturas congeladas, como se as culturas indígenas não pudessem
modificar, porque o índio é tradicional. O quarto equivoco é que os índios
fazem parte do passado, esquecendo que os indígenas estão sim presentes na
modernidade, por exemplo na arte e o quinto e último equivoco presente é a
noção de que o brasileiro não é índio, excluindo a realidade que sim, somos todos
indígenas devido à grande mistura de povos que ocorreu no passado e ainda
ocorre hoje em dia.
É notável destacar que a cultura indígena é bastante rica e
diversificada devido suas tradições, nos enganamos ao achar que são
“atrasados”. As escolas indígenas são diferentes das nossas principalmente
devido a forma como aborda dos conteúdos, os conteúdos que são abordados e
devido a formação dos professores. A pedagogia utilizada nas escolas indígenas
busca afirmar as identidades de cada etnia e perpassar práticas e costumes das
mesmas, para que não sejam perdidos, através do processo de sincretismo. Com
relação a formação dos professores, durante um trabalho de extensão realizado
por professores das universidades UFMG, UFSJ e PUC-MG, no qual consistia na observação
na implantação de escolas nas tribos Pataxó, Krenak, Maxakali e Xakriabá, os
professores foram formados com ênfase nas seguintes disciplinas:
“Foram escolhidas as seguintes áreas do conhecimento: Português, com ênfase em leitura e discussão sobre as diversas formas de leitura, os diversos tipos de livros (literatura, livros técnicos, álbuns, apostilas, dicionários, etc.); Ciências, com maior atenção à questão ambiental (produção e processamento de lixo, poluição, contaminação do meio ambiente, etc.) e de proteção à saúde; Matemática e Uso do Território” Dutra et al, 2003.
Demonstrando que há preocupações diferentes nas escolas
indígenas e as escolas padrões da sociedade brasileira, que volta seu ensino
para a formação cada vez mais de trabalhadores.
Cultura
indígena na escola
Hoje em dia, as populações indígenas não se isolam mais nas
matas evitando o contato com os não índios, reconhecem hoje que devem lutar
pelo seus direitos e através dessas lutas obtiveram algumas vitorias tais como
as demarcações de terras e também a lei 11.645/08 que torna obrigatório o
ensino da história e da cultura indígena em todas as escolas de ensino
fundamental e médio brasileiras, tanto públicas quanto privadas. A lei é uma
alteração da lei 10.639/03, que tratava apenas a obrigatoriedade do ensino da
história e cultura da África e povos afro-brasileiro e tem como objetivo tentar
fazer com que conhecendo a história dos povos nativos e fundantes, pode-se
combater todo esse preconceito e discriminação com relação ao indígena e aos negros como está explícito no primeiro parágrafo da lei:
“O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.” (BRASIL, 2008).
Porém através de um estudo feito por professores na UFAC,
foi constado que muitos dos estudantes de licenciatura não possui conhecimento
da lei, e alguns já formados não aplicam a mesma quando começam atuar na escola
pública. A ineficácia da aplicabilidade da lei resulta numa série de fatores
negativos, pois estudantes indígenas ao ingressar nas escolas públicas
brasileiras sofrem inúmeros tipo de preconceito e não conseguem se enquadrar em
nenhum grupo nas escolas e acabam sendo excluídos devido a falta de
conhecimento acerca dos mesmos.
Um mecanismo que reforça muitas vezes uma visão
estereotipadas dos indígenas são os livros didáticos, pois trazem esses povos
apenas como submissos a colonização por exemplo o que acaba descaracterizando
as lutas históricas desses povos e o professor acaba tendo que desconstruir
todos esses valores dos alunos.
Foi feita uma observação das práticas pedagógicas
relacionadas ao ensino da cultura indígena em escolas de ensino infantil
(maternal) e de ensino fundamental I (primeiro a quinto ano) para saber como é
trabalhada a data de 19 de abril, em que se comemora o dia do índio, com as
crianças hoje em dia.
Na escola de ensino infantil as professoras levaram cocais
de papel para as crianças colorirem e se fantasiar como uma forma de homenagear
os indígenas e foi explicado a elas sobre o uso de tal adereço e sua
representatividade. Depois foi narrada para os alunos a história do
“descobrimento” do Brasil e das lutas e disputas por terras que envolveram os
indígenas e os alunos foram postos em rodas para escutar músicas de caráter
indígena e músicas sobre o descobrimento. A última atividade realizada nessa
escola foi uma atividade de colorir, na qual foi disponibilizado para os alunos
índios numa folha de papel para que os mesmos colorissem. Nesta escola pode-se
notar que há um interesse de revelar aos alunos um pouco da história e da
cultura dos povos indígenas através das músicas, mas ao fantasiar os alunos de
índio pudemos ver que ela contribui para a criação de uma imagem estereotipada
dos índios nas crianças, que já está enraizada em nossa sociedade.
Já na escola de ensino fundamental I foram realizadas
diversas atividades, mas de acordo com as séries. Para os alunos que cursam até
a segunda série foi realizada uma oficina de exposição no pátio da escola de
instrumentos e vestimentas que são utilizados e estão presente na cultura
indígena, enquanto para os alunos das outras séries foram disponibilizados
textos que falam um pouco sobre como os índios viviam e como sua população diminuiu
com o passar dos anos, textos que falam sobre algumas tribos indígenas tais
como os Xavantes, Guarani, Bororo e Yanomâmi e também foi realizada uma
atividade no qual os alunos deveriam realizar uma pesquisa sobre alguma
curiosidade dos povos indígenas brasileiros.
É importante ressaltar nas atividades realizadas nessa
escola dois pontos, o primeiro é que se pode perceber nas atividades realizadas
uma preocupação em demonstrar que a cultura dos índios é bastante diversificada
e que eles são separados em tribos, cada uma com seus aspectos culturais e o
segundo ponto que vale ser ressaltado é que nessa escola nenhum aluno foi
fantasiado de índio, ou seja, não contribuíram com o estereótipo que os índios
carregam que índio é apenas aquele grupo de pessoa que não utiliza a mesma
tecnologia e vestimentas que nós, ou seja índio é apenas aquele tradicional.
Além da lei que insere as temáticas indígenas nas escolas
brasileiras, outra política adotada, e que gera bastante polemica, são as leis
de cotas para inserção dos povos indígenas no ensino superior para que assim se
promova a diversidade e ajude os mesmos na superação dos obstáculos históricos
que lhe foram impostos. A lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, faz-se
obrigatório a oferta de algumas vagas para além de indígenas, pretos e pardos e
também pessoas que estudaram em ensino público e possuem renda relativamente
baixa.
Considerações
finais
Com o fim da ditadura militar houve um constante crescimento de movimentos sociais
em relação as diversidades
socioculturais presente na sociedade brasileira e um aumento de políticas
públicas com relação ao ensino devido a Constituição de 1988 que no artigo 210
expõe que " Serão fixados conteúdos mínimos para o
ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos
valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.”. Entretanto é
necessário um investimento maciço para que seja respeitada as peculiaridades de
cada etnia e criação políticas para aprimorar o ensino da diversidade.
Referencias
Pedro Luiz Teixeira de Sena é aluno do quarto período da
graduação de Licenciatura em História na Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
BATISTA, Andressa. A percepção e aplicação da Lei 11.645/08
na perspectiva dos Egressos do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal
do Acre. In: Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016.
Cineastas Indígenas:
um outro olhar. Disponível em: <http://www.videonasaldeias.org.br/downloads/vna_guia_prof.pdf>.
Acesso 15 de outubro de 2018.
EVARISTO, Macaé Maria. OLIVEIRA, Wilder Barbosa. GOMES, Ana
Maria R. GERKEN, Carlos Henrique. A Implantação das Escolas Indígenas em Minas
Gerais: Percurso de Recíproco Conhecimento entre Índios e Não Índios. 2004.
MIRANDA, Ana Paula Teixeira. PASTANA, Jéssica Joyce
Rodrigues. FERRO, Simão Junior Pinto. A APLICABILIDADE DA LEI 11.645/08 DENTRO
DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS. Disponível em:
< http://www2.unifap.br/cepap/files/2017/10/ANA-PAULA-JESSICA-E-SIMÃO-A-APLICABILIDADE-DA-LEI-11.645-08-DENTRO-DAS-PRÁTICAS-PEDAGÓGICAS.pdf>.
Acesso em 19 de outubro de 2018.
SILVA, Marcos Ferreira. A CONQUISTA DA ESCOLA: educação
escolar e movimento professores indígenas no Brasil. 1994.
Bom dia!Acredito que professores de Educação Infantil deveriam ter acesso ao conteúdo também, por ser a primeira etapa da educação básica e por ser um espaço onde enfrentamos muito o racismo institucional, pois a resistência em falar sobre a África e as populações indígenas,sua cultura, povo, enfim… Os estudos sobre e a disponibilidade de materiais principalmente das populações indígenas não são muito impedida, com argumentos vagos e preconceituosos?
ResponderExcluirRicardo Nogueira Albino Neto
Boa noite Ricardo!
ExcluirAcredito sim que os professores do ensino infantil deveria ter acesso a conteúdos que tratem da cultura nativa sem esteriótipos e preconceitos, uma vez que eles iniciam a formação do aluno e muita das ideias que estes carregam são formadas na primeira etapa do ensino e fica muito difícil de desconstruir depois, por isso deve ser trabalhada da forma mais original possível conteúdos que dizem respeito a história e cultura dos povos fundantes. Com relação aos materiais disponíveis, como por exemplo os livros didáticos, eles carregam sim argumentos vagos e preconceituosos e por isso cabe ao professor como construtor e mediador do conhecimento em sala de aula expor a verdade com relação ao conteúdo e selecionar também o que ira trabalhar em sala com os alunos. Cabe ao professor sair de sua zona de conforto e ir atrás de materiais que estão disponíveis mas que não carreguem esteriótipos.
Att,
Pedro Luiz Teixeira de Sena
Olá Pedro Sena, boa noite.
ResponderExcluirMuito interessante a abordagem do seu texto, pois acredito que essa temática tem sido bastante negligencia por muitos de nós, professores de história. Acredito que está mais do que na hora de passarmos discutir e problematizar, com mais seriedade a cultura, dos povos nativos em nossas salas de aula. Portanto, é imperativo a inserção de conteúdos escolares que demonstrem toda a diversidade cultura dos povos nativos ainda presente em nosso território. Ademais, é urge a necessidade de se combater a folclorização da cultura nativa o que, de certe forma, contribui para a romantização dessa matriz cultura por nossa sociedade. Por outro lado, os nossos professores precisam se apropriar de arcabouços teóricos e metodológicos necessários para desconstruir, através de sua prática profissional, a visão estereotipada que a respeito dos povos indígenas ainda tão presente em nossa cultura. Contribuindo assim, para o lento e necessário processo de desconstrução do racismo institucional presente nas várias instancias de nossa sociedade, tanto quanto a respeito as matrizes culturais indígenas, quanto africana. A proposito gostaria de saber se já teve a oportunidade de prestigiar o trabalho do professor dr. Edson Hely Silva, titula da UFPE, pois ele tem dado contribuições bastante significativas para o entendimento dessa temática.
Abraços,
Eduardo Augusto de Santana.
Boa noite, Eduardo! Um dos caminhos para o combate a visão estereotipada que os conteúdos que tratam sobre a cultura indígena seria sim acabar com a folclorização e trazer para os alunos de forma seria diversos elementos das culturas nativas e como ela esta presente em nossa sociedade hoje e como foi importante para a construção da cultura brasileira em sim. Ainda não tive a oportunidade de me debruçar sobre o trabalho do professor dr. Edson Hely mas procurarei sim dar uma olhada para compreender melhor e somar para minhas pesquisas.
ExcluirAtt,
Pedro Luiz Teixeira de Sena